Casos e acasos

“O mundo parece tão pequeno quando tudo que você faz é trabalhar e estudar.” Pensa Pedro enquanto se espreme dentro do trem lotado que encara todos os dias de manhã e tem o seu “2º round” a noite. Ele vem com seu fone nos ouvidos no último volume e sem prestar muita atenção na música. Ele só precisa daquele barulho pra distraí-lo dos sons externos. Não gosta do mundo. Esse mundo podre, com pessoas que não respeitam seu próprio espaço, tediosas e egoístas. Pelo menos as músicas da sua playlist o tiram dessa realidade. Todos os dias ele acorda esperando que algo marcante aconteça, mas é sempre a mesma coisa.

Enquanto isso do outro lado da cidade, Laila está conversando com as amigas sobre o trabalho. Ela se tornou uma viciada em seu trabalho desde que terminou o namoro. Ela costuma dizer a frase de algo que sempre compartilha em seu facebook, “Ocupe-se. Mente vazia atrai lembranças”. Fez disso, sua lei e modo de vida. Não foi um término fácil. Namoraram quase 5 anos, ele nunca tocou no assunto de casamento. Enquanto ela esperava e até dava mostras de desejar isso. Mas com o tempo foi percebendo que esse sonho, era apenas um sonho, até que, como em todo sonho ela despertou.

Mas é sexta-feira. É dia de tirar o stress da semana, é dia de sair com o pessoal do escritório, tomar umas cervejas, dançar, se divertir, rir e lembrar que uma vida fora do próprio mundo existe. Pedro e Laila, trabalham no mesmo escritório. Ela é do RH e ele da contabilidade. Quase sempre se cruzam, se cumprimentam, mas Pedro é novo e no trabalho não gosta muito de dar margem pra falatório. Já Laila a viciada em trabalho, mal lembra o rosto de Pedro e o cumprimenta quase que mecanicamente. Após as 18h horas, Maykon que é o “agitador” da empresa, começa a chamar todos pro boteco que tem ali perto. Pedro, não queria ir, mas pensou que se fosse poderia ir mais tarde embora com a condução vazia, e de quebra não deixaria de tomar a “gelada” que o calor não o deixou parar de pensar nem um minuto. Laila, já sabia que tocava um samba no bar e ela como uma boa brasileira, já nasceu rebolando.

“Porra quem é todo esse povo?”. Pensa Pedro ao ver que mal conhece cinco de todas as pessoas que trabalham com ele. Senta na mesa que todos reservaram e Já começa a sinalizar por uma cerveja.

Laila, por outro lado, chegou, foi com duas amigas no banheiro e começou a se maquiar. “Vaidade é um dos meus pecados prediletos”, diz ela a citação de Al Pacino no seu filme predileto, “Advogado do Diabo”. Então Sheila, a mais atirada das três já dispara.

-Gente, vocês viram que o Pedro veio? Nossa, aquele “branquelinho” tem uma cara de safado tão grande. E eu não vi nenhuma aliança. Aí... Hoje eu vou mostrar pra ele todo o poder a “Morena gostosa” aqui. Deixa ele vacilar na minha.

-Cara de safado? – Diz Marina, que é mais velha e a única casada de lá – Ele é até bonito. E tem um jeito diferente de olhar, mas não é de safado. É como se analisasse todo mundo. Mas é muito gente boa. Sempre dá atenção pra todo mundo. E é muito educado, sempre legal. Só devia se soltar mais.

-Quem é esse? – Diz Laila. É aquele menino dos fones de ouvido? Ah se for ele, só acho que vai ficar surdo cedo. E pára de ser periguete Sheila. Vim pra curtir e se você ficar se engraçando vai me abandonar.

-Tá bom, ta bom... Bora voltar logo. – Diz Sheila dando risada e saindo do banheiro.

Pedro que estava respondendo um sms de seu amigo, levanta a cabeça e se depara com as três moças vindo. Em uma coisa Sheila acertou. Pedro é safado. Ele gosta e muito de mulher. Ele não tem outra paixão maior que mulher. Não quer dizer que seja um mulherengo. Isso ele não é. Mas só sabe dizer não, quando está em um relacionamento, coisa que há quase um ano ele não quis entrar. Agora Marina, não contava que Pedro gostasse mesmo é daquelas meninas com carinha de boneca, delicadas, que parece que precisam ser protegidas. Aquelas que são como a Laila. Boca carnuda, cabelos pretos, branquinha, olhos castanhos, magra, rosto bem desenhado e um sorriso maravilhoso. O tipo que se pega e cuida como se pudesse quebrar. Mas tem aquela carinha que na cama, você pode ser duro, ser forte, porque agüenta. Quando desperta dos seus pensamentos maliciosos com Laila, ele percebe o garçom enchendo seu copo e ao olhar pra pista vê as três dançando. “Rebolar, ela rebola muito bem”, pensa Pedro, mais uma vez acelerando seus desejos sobre a colega de trabalho.

Após algumas horas quase todos já foram embora. E Pedro percebe que sua hora ta chegando. Decide ir ao banheiro antes de ir e olha para Laila rapidamente que está voltando. O corredor é estreito. Os dois precisam se espremer e ele percebe que o rosto dela está molhado, mas não apenas de suor, mas os olhos vermelhos denunciam um choro que acaba de terminar. Ela o olha nos olhos e o cumprimenta. Pedro, balança a cabeça e vai ao banheiro. Quando volta Laila está na mesa e sozinha.

Pedro se senta um instante, olha para ela nos olhos. Ele tem certos dons pra dedução. Ele começa a ligar os fatos de que mulheres bonitas, sensuais, que trabalham feito loucas como a Laila e que choram quando vem pra um samba, logo depois de dançar muito só podem ter algum problema de coração apertado. Então apenas diz:

-Oi, é Laila, certo?

-Sim, e você de acordo com a Sheila é o “Braquelinho”. – Diz Laila rindo.

-Eu não sabia desse apelido, mas pode chamar assim mesmo. Legal o lugar né?

-Ah é sim.., Já vim muito aqui antigamente... Mas aconteceram algumas coisas que me fizeram dar um tempo.

Pedro percebe. É como se lê-se a mente da garota. Ela vinha com o motivo das lágrimas.

-Imagino. Bem eu tenho que ir. O trem é uma batalha que ainda tenho de enfrentar antes de dormir.

-É então é melhor ir mesmo. Porque pelo horário, você pode ser que não consiga enfrentar nem o último soldado dessa batalha.

-Verdade. Laila, antes de ir... Eu não pude deixar de notar algo. Quando nos cruzamos no corredor do banheiro você estava com os olhos vermelhos. Olhos de choro. Veja, não sei da sua vida, não quero e nem vou me intrometer. E sei que uma mulher bonita como você solteira e sem sair a um tempo tem um grande indício de que seja por amor esse choro. Não vou dar em cima de você, com papinho de compreensivo. Mas vou te dizer algo que aprendi quando meu namoro terminou a um ano atrás. Nada, nem ninguém merece sua lágrima, ou a minha ou a de qualquer um. Todos que não ficam na nossa vida é porque não seriam necessários nela. E de uma forma que desconhecemos o universo ajuda com que essas pessoas não fiquem. Pode doer, pode ser difícil, mas é necessário. As vezes, você precisa só de tempo. Não deixe de sair e continue fazendo como hoje, saia e se divirta. Lembranças, virão. Mas lembranças, tem de ficar apenas na mente. E não escorrendo dos olhos. Espero realmente te ver mais vezes por aqui. E nunca mais precisar te lembrar que você é bonita o suficiente pra não precisar chorar por ninguém. E jovem o suficiente pra não se afundar no trabalho. Nós temos nossos poucos anos de vida, e ou aproveitamos ou já estamos mortos...

Ele olha pra cima e vê ela o olhando fixamente. Encarando no fundo dos olhos. “Cara, ela é perfeita”, sua mente grita.

-Bem desculpe por qualquer coisa, se me meti onde não devia... sei lá. Desculpe.

-Branquelinho. Não se preocupe com os meus problemas. Mas eu agradeço a sua atenção. Certamente ser capaz de ler as pessoas assim deve ser uma qualidade pra poucos. E seu conselho será estudado e provavelmente seguido.

-Bem, preciso ir. - Ele pega a mochila, coloca os fones no ouvido.

-Cuidado com a surdez garoto.

-Pode deixar. Tchau. – E dando um beijo no rosto ele saí.

Indo embora, Sheila solta seus comentários:

-Quer dizer que a garotinha tava dando uma papeada com o branquelinho?

-Laila e Pedro? Olhando bem o casal ficaria bonitinho hein. – Marina, diz rindo.

-Hum, o nome dele é Pedro. Bonitinho até, né? E legal. Ele conversou comigo como se me conhecesse e acertou no que disse. Mas é apenas um cara legal por enquanto.

Pedro no trem, vai apenas sorrindo. Aquele sorriso, contido, interno, de satisfação consigo mesmo. Aquele sorriso de quem sabe que acertou o objetivo. Ele já sabe que não é só mais um cara que falou com Laila. Pelos olhos dela, ele pode perceber que ela gostou dele tê-la percebido, ou teria o interrompido de início. Provavelmente alguma coisa ele acertou. Ele está feliz não só por ter passado pelo primeiro passo no jogo de conquista que se iniciará. Mas também pelo fato de ter feito algo diferente, sair da rotina, curtir. É tudo que ele quer. Sair da rotina.

Laila se deita e reflete nas palavras de Pedro. Sorri sem perceber e fica pensando como ele conseguiu deduzir tudo. Ela irá investigar. O cara acertou o ponto fraco dela. Sua curiosidade. Ela se deita feliz por não precisar pensar no que perdeu e sim no que a fez sorrir.

Wes G
Enviado por Wes G em 27/02/2013
Reeditado em 31/03/2013
Código do texto: T4163262
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