Aconteceu na decada de 40 e50.
Tinha 12 anos quando minha família mudou-se para o Pari. Na década de 40,50 vivi nesse bairro.
No inicio eu não tinha nenhuma amizade nesse novo endereço. Morava em uma casa simples de três cômodos no final da Rua João Boemer. Meus vizinhos, como a maioria dos moradores, eram portugueses, um casal, duas crianças pequenas e uma tia que era solteira. Fizemos amizade e ela foi minha primeira amiga,embora a diferença de idade fosse muito grande.Íamos a Biblioteca Municipal no centro,não havia nenhuma nos bairros.
Com essa amiga aprendi a profissão de cerzideira, que constava de refazer a mão algum defeito no tecido deixado pelo tear. Todas as tecelagens tinham um grupo dessas profissionais. Era um trabalho requintado e demorado feito com agulha de costura e fios do próprio tecido, havia ateliês que contratavam as cerzideiras para trabalhos particulares como algum rasgo em uma peça do vestuário mais requintado. Eram profissionais muito procuradas nessa época. Foi meu primeiro emprego aos 14 anos em uma tecelagem na Rua Thieres, de nome Helvetia, fabricava tricoline e também etiquetas tecidas.
Essa rua fica no Canindé, atrás da igreja Santo Antonio do Pari.
Fiz novas amizades no trabalho e também num curso de datilografia que passei a freqüentar. Também com adolescentes do bairro. Todos trabalhávamos e estudávamos da maneira que dava.
Cursos alternativos. Ninguém ali tinha condições de melhores estudos. Quando dava, nos reuníamos à noite, nas calçadas, jogando peteca, pulando corda, o transito ali já era razoável.
Uma vez por semana o cine Rialto que ficava na Rua João Teodoro esquina da Av. Valtier fazia a soarê das moças com a
metade do preço para o publico feminino e todos freqüentavam.
Existiam muitos bailinhos nas próprias casas ou quintais. Todos se reunião se cotizavam e compravam alguma guloseima, também havia uma destilaria no Belenzinho, bairro próximo onde comprávamos licor de cacau ou vermute, ninguém bebia muito,era só uma maneira de alegrar o ambiente,fazer bandeirolas também era comum,era tudo enfeitado.Sempre contávamos com alguns adolescentes músicos amadores que também colaboravam.
Os cines Roxi, Universo, Braz Politiama e Piratininga também eram muito freqüentados, ficavam na Av. Celso Garcia e Av. Rangel Pestana. Na Rua Coronel Emidio Piedade, se localizava a Fabrica Henriete, onde meu pai trabalhava, como motorista.
Tínhamos um clube de futebol, o Lusitano F.C. Para quem todos torciam, Alguns de seus jogadores foram jogar na Europa. Quando voltaram foram recepcionados com muita festa, fecharam a Rua Dr.Virgilio do Nascimento no cruzamento com a rua João Boemer montaram um palanque e houve discurso, musica e outras homenagens.Era tanta rivalidade entre os torcedores dos clubes do bairro,principalmente com Silva Teles FC que era vizinho, que quando o jogo era entre os dois clubes, o território era marcado,ninguém de um clube podia passar nas ruas de moradores do outro.Era briga com pancadaria na certa.
As casas do bairro eram simples com dois quartos e cozinha, uma ou outra eram maiores, alguns sobradinhos e muitos cortiços ou moradias coletivas, onde todos compartilhavam o mesmo banheiro, tanque e varal de roupas. A limpeza dos quintais também era compartilhada. Dificilmente havia brigas nos cortiços. A maioria se respeitava.
Animais eram poucos, alguns cães vira lata, gatos, papagaios e muitos canários. Quase toda família tinha pelo menos um pássaro na gaiola.
O comercio era pequeno, alguns pequenos armazéns de secos e molhados, chamados de vendas, quitandas com frutas e verduras, poucas padarias, loja de armarinhos, uma feira aos sábados. No comercio ambulante tínhamos padeiro, sorveteiro,vendedor de miúdos de boi e de porco, o turco da prestação que fornecia roupas de cama e mesa, também de vestuário e tecidos que eram levados as costureiras, tinha o espanhol do ferro velho que batia nas portas a fim de comprar ferro velho e vasilhame usado. Vez ou outra aparecia nas ruas umas cabras guiadas por alguém que retirava o leite ali mesmo para quem se interessasse em comprar.
O centro da cidade era tranqüilo embora já tivesse sempre muita gente circulando.A rua Direita era a mais movimentada onde os transeuntes também tinham que andar na mão certa nunca contra a mão. Os pontos finais dos bondes e ônibus eram na Praça da Sé, Largo São Bento e Praça Clovis Bevilaqua de acordo com a região desejada.
As bordadeiras do Pari eram jovens e donas de casa que com esse trabalho ajudavam nas despesas do lar ou se mantinham.Buscavam o trabalho nas lojas do Bom Retiro ou da rua Oriente.
Quando era em grade quantidade levavam de taxi, se era pouco, mas mesmo assim muito pesado, tomavam o bonde.
Todas se entendiam muito bem, trocando favores, arranjando trabalho, cedendo algum material nas emergências, como linha agulhas, papel vegetal para tirar os desenhos a serem bordados e tudo mais. Sobre impressões o que sinto e que na época a vida era muito mais difícil, mas havia mais solidariedade e respeito para
uns com os outros. Pouca violência, muita amizade e convivência.
A comunidade podia por suas cadeiras na porta e conversar com os vizinhos. Os namorados passeavam sem receio pelas ruas dos bairros. Crianças brincavam nas ruas. As escolas eram seguras, professores respeitados e realmente ensinavam e educavam, sempre com o apoio dos pais.