A vaga continua vaga...
Havia feito uma seleção de meia dúzia de moças, entre tantas que procuravam, desesperadamente, emprego. Sheila havia se mostrado habilíssima no computador. Não a chamei porque não havia encontrado em suas feições algo que me agradasse. Magérrima, miudinha, quatro fios de cabelos na cabeça, feição triste. Nela, nada me lembrava que era do sexo feminino. Guardei seu currículo vitae porque não esqueci sua destreza diante do computador. Uma voraz digitadora.
Em um período de três semanas, acho que testei uma meia dúzia de jovens bonitas, educadas, prontas para ocuparem a vaga de recepcionista na clínica. Nestas, o desempenho diante da máquina era bem aquém daquela excluída. Como escrevo muito, uma digitadora me era bastante necessário. Deixei os dias passarem. Certo dia, quando tardinha, resolvi ligar para Sheila.
-Empregada, já?
-Que nada! Com quem eu falo?
-É da Clínica Santa Ana. Lembra-se?
-Onde fiz meu último teste?
-Não sei se foi o último, mas sei que o fez aqui. Ainda se interessa pela vaga?
-Claro que sim. Quando posso ir?
-Amanhã, às oito. Aqui conversaremos melhor.
No dia seguinte quando cheguei à clínica, já a encontrei. Mal vestida, de poucas palavras, esperava por mim um tanto ansiosa diante do computador.
-Bom dia!
Se me respondeu, juro que não a ouvi. Deixei-a para trás e chamei a outra jovem que já trabalhava para mim. Pedi que a observasse porque tinha interesse em contratá-la.
No fim do dia, antes de dispensá-la, demonstrei o interesse em tê-la conosco no quadro de funcionários da clínica. Notei-a contente. Despedi-me dela e, no dia seguinte, até as nove horas, nenhum sinal de sua chegada. Preocupado, liguei para sua residência. Ouvi de uma senhora, que se dizia sua tia, que nada sabia de seu paradeiro. Seu telefone celular não atendia. Liguei várias vezes. Esqueci-me então. Algo deveria ter-lhe acontecido.
Às dez e trinta o telefone tocou. Era Sheila. Aparentava-se feliz. Sua voz alegre me agradeceu pela oportunidade do emprego e se desculpou por não poder mais trabalhar.
-O que houve, Sheila? Não gostou do ambiente de trabalho?
-Ao contrário, achei-o muito bom. É que vivo com uma colega. Amo-a. Ela conseguiu uma vaga em Salvador e, nesse exato momento, estou no ônibus, a caminho da Bahia onde devo morar ao seu lado e aguardar o meu emprego, já que o dela temos como certo. O senhor sabe, não é..., namorada...
-Então você...
-Nada mais quero ouvir. Era só isso que tinha de falar. Adeus. Já disse tudo o que devia.
Eu então compreendi que Sheila era uma cria do tempo. Havia sido fiel a seu coração. Partiu para deixar emergir de dentro de sua alma o que seu corpinho franzino de homem já me havia dito no nosso primeiro encontro. Felicidade, desejei-lhe. É a vida, seus retoques sobre as ondas naturais do mar que o destino nos traz. Cada macaco no seu galho. Devem estar bem empregadas, corpo e alma rumo ao burburinho dos felizes. Troquei apenas o artigo antes do substantivo. Chamá-la de mulher talvez lhe ferisse a vontade mais verdadeira. O mulher partiu. Voou com as asas dos pés. Diferente o era e o foi. Paciência, chamarei uma outra candidata à vaga. Tomara dessa vez tenha eu mais sorte. Que vá quem devia ir-se e que fique quem o queira. A vaga continua vaga.