Sob o julgo e a fúria dos Aiatolás
- Wallada, você já leu o jornal hoje?
- Não Aisha, por quê?
- Você precisa ver... Até apareceu você bem no cantinho da foto... A Guarda Revolucionária está louca! O melhor é você ler...
- Aisha, é sobre as manifestações da Praça da Liberdade?
- Wallada... É melhor você mesma ver!
Aisha e Wallada eram duas jovens iranianas que moravam em Teerã, e estudavam na Universidade da cidade. Aisha escondia os seus lindos cabelos negros atrás do xador, um véu que somente o rosto fica a mostra; já Wallada sempre usava hijabs coloridos, que ainda demonstravam os seus lindos cabelos castanhos cacheados que caiam como uma cascata presos nesse véu. Porém as duas bebiam ansiosamente suco de melancia, enquanto Aisha passava o jornal A Voz do Aiatolá para sua amiga ler.
“ O Aiatolá manifestando sua extrema bondade, concedeu nesta manhã uma entrevista extraordinária ao jornal A Voz do Aiatolá sobre o ocorrido na Praça da Liberdade, e demonstrando total benevolência, declarou:
- Este mal que permeia as nossas vidas e que pretendem derrubar a nossa paz, saíram do nosso próprio seio, pois são os nossos filhos e jovens que tentam desordenar em nome do Ocidente a nossa tão amada cidade, e o nosso tão querido país.
Eles trazem ideias violentas e obscuras, cujo perfuram o Alcorão. Nós já agimos com enorme misericórdia, porém não podemos nos calar, logo é necessário tomar medidas que protejam toda a população contra estes traidores da pátria. Por isso a polícia do Conselho Supremo do Aiatolá vigiará as ruas, escolas e universidades. Qualquer aglomerado acima de cinco estudantes será considerado Conspiração, endentam, isto é um mal necessário.
As Forças do Ocidente tentam derrubar meu poder de justiça, paz e de ordem, diariamente; tentam corromper o nosso país sagrado e sujar o passado do Profeta e de seus descendentes, tentam usurpar meu cargo de justo juiz, que toda a nação me confiou. Entretanto faço tudo com amor ao meu povo, e todos que forem contras as novas leis serão considerados traidores e blasfemadores.” Novo decreto está na página 4.
- O velho passou dos limites agora- assegurou Wallada. - Ele está louco! Nós nunca ferimos o Alcorão... Ele está querendo colocar toda a sociedade contra nós...
- E pior- disse Aisha. –Não temos nenhum lugar para nos reunir agora, para marcar as próximas manifestações...
- Este velho, ele é muito sínico, o cemitério de Behechte Zahra, está cheio com os inimigos políticos da Revolução Islâmica que foram silenciados... A gasolina, a melancia e outros produtos estão caríssimos, e ele ainda diz: que não trata de preço das melancias e produtos de base... Aposto que o Aiatolá nunca pisou num mercado!
- E que nos ama!- ironizou Aisha. – Ontem dois homossexuais foram mortos enforcados em praça pública, foi um show de horrores...
- Não sei por que o amor ameaça os poderosos. - questionou-se Wallada. –
- “Eles não devem acreditar no Dia do Julgamento para forjar e violar tão descaradamente o trabalho do juiz”, só Alá tem o poder sobre a vida de um ser vivo; somente o Criador pode cortar o fio da vida e julgar os nossos erros...
- Aisha, conheci um militante ontem, Hassan al-Din, podemos escrever uma mensagem para ele...
- Wallada, isso é muito perigoso, ouvi dizer que ele é um estudante à Che Guevara...
- Vamos... Aisha...
Aisha colocou o seu copo na mesa e pegou papel e caneta, e passando para amiga, esta começou a escrever:
Hassan al-Din
O novo decreto do aiatolá impede de nos reunirmos com todos os estudantes, porém as manifestações devem continuar, toda a sociedade clama por mais democracia. Colocaram-nos contra a sociedade, porém Alá conhece a nossa causa, e percebe que ela é justa. Já soube que alguns jovens estão desaparecidos, e que alguns são seus amigos, sinto muito. Tome cuidado. A Praça Azadi, será a próxima!
Wallada Mustafki
- Pronto Aisha, agora quando eu for para casa, eu entrego!
- Cuidado Wallada, a polícia vai está na rua... Não quero uma amiga morta em praça pública.
- Morta por lutar pela liberdade é bem melhor a morrer por adultério- retorquiu Wallada. –
E Wallada saindo da casa de Aisha beijo a amiga na bochecha e saudou-a:
- A Nação prefere perecer a aceitar a desonra!