Eike nunca foi ao Hawaii
O PIB do Brasil cresceu um por cento em 2012. “Eu deveria estar no Hawaii”, mas as coisas não andavam bem e Otávio percebeu isso quando olhou pela janela e percebeu o Sol distante. Quando se é moleque, sonhar é permitido, para alguns, obrigatório.
Aos treze anos, Otávio leu a história de vida de um tal Eike Batista e pensou: “Quero ser como esse cara”. Eike nunca foi visto no Hawaii, por isso, a ideia afrodisíaca foi tirada da cabeça no mesmo instante, tratada inclusive como absurdo. Aos catorze, o moleque ambicioso ingressara no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, o popular SENAI. Pensava que o começo deveria ser no chão da fábrica, conhecer todas as possibilidades de trabalho para aí então poder acumular, mandar e desmandar.
O dinheiro era o único amor de Otávio. Não o dinheiro diretamente, mas tudo o que ele podia trazer. Mulheres, carros, motos, iates, prestigio. Otávio via os repórteres correndo atrás das celebridades e sentia-se pronto para ocupar o posto de entrevistado. Isso, aos quinze, ainda no SENAI. A revolução industrial, a prática de mais valia ou a forma como a igreja se consolidou fascinavam o adolescente que não tinha amigos, muitos colegas e nenhuma namorada.
Eike caminhava para se tornar o homem mais rico do Brasil, um dos dez mais do mundo. E Otávio continuava morando em um bairro periférico de Ribeirão Preto, cidade mediana do interior de São Paulo. Não tinha sequer bicicleta e precisava passar por quatro linhas diferentes de ônibus para fazer o trajeto casa-Senai-escola-casa.
Aos dezesseis, Otávio foi ao primeiro puteiro, assim que acabou o SENAI. Pagou cem reais por cinco minutos de sexo. As punhetas em velocidade acelerada graças aos gritos do pai para tomar banho rápido definitivamente não haviam sido um bom treinamento. Foi a primeira vez que ele condenou o pai. Cansado da paradeira. Via colegas bem nascidos com videogames novos enquanto ele soprava suas fitas de super Nintendo. Eike continua ganhando bilhões. Otávio começou a controlar a ejaculação para aproveitar melhor a grana gasta com as putas.
Otávio estudou, se inscreveu em diversos concursos para entrar em multinacionais na cidade ou fora. Aperfeiçoou-se no inglês, espanhol, alemão e arranhava japonês. Conseguiu um emprego de torneiro mecânico em uma empresa grande na cidade de São Paulo. Ficou um ano na função, depois pediu para subir de cargo. Não permitiram. Otávio chegava em casa todos os dias cansado demais para estudar ou planejar alguma coisa. A novela parecia a melhor opção no horário nobre agora.
Aos dezenove, Otávio estava mais desanimado do que nunca. Tudo conspirava contra e seu salário de mil e quinhentos reais não dava pra muita coisa. Três anos na mesma função. Aumento? Apenas os anuais de reais dois por cento.
Lendo a biografia do ídolo, Otávio reparou que é preciso arriscar. Assim como o brasileiro mais rico fez um dia deixando os estudos na Alemanha para se dedicar a corrida do ouro na Amazônia, Otávio pede demissão e resolve correr atrás de outra coisa que renda mais. Compra o jornal e vê um anuncio que promete mudar a vida de quem aceitar o desafio. Era preciso vender, ao menos, um apartamento de luxo por mês na zona mais nobre de São Paulo para ganhar entre cinco mil e dez mil reais. Ele topa.
No primeiro mês consegue vender um apartamento no empreendimento mais caro oferecido pela imobiliária. Com o dinheiro do primeiro salário compra uma TV e um videogame, lançamento. Também paga a dezena de camisas sociais, ternos e sapatos que comprara um mês antes no cartão de crédito. Era preciso se vestir bem para impressionar os clientes. “Conversar de igual para igual era fundamental”, dizia a imagem de um dos quadros pendurados na parede da imobiliária.
O segundo mês não foi bom. Nenhum apartamento vendido. E o cartão de crédito virava esperança de dias melhores novamente. O terceiro e quarto mês no emprego não foram diferente. Centenas de visitas, conversas, cafés, chopes, mentiras e sorrisos forçados que não deram em nada. A paixão de Otávio que nunca tivera namorada (sexo só com putas) parecia não querê-lo. O dinheiro sumia e as dividas aumentavam. Teve que procurar outro emprego.
Aos vinte, estava em hotel como recepcionista. Trabalhava dez horas por dia, mas pensava que quando comprasse a enorme rede de hotéis da qual a unidade onde trabalhava fazia parte as coisas seriam mais fáceis. O salário não era grande coisa. Pouco mais do que ganhava como torneiro mecânico. Não sujava as mãos, treinava seu inglês.
Não fazia nem um ano que Otávio estava no emprego quando conheceu uma famosa modelo que se hospedara no hotel. O quarto 420 era especial. Ele mesmo escolheu para a modelo. Ela iria ficar uma semana, tempo suficiente para ele tentar cair nas graças da moça. Lembrou-se do casamento de seu ídolo com uma famosa modelo. Era hora de começar a colocar o trem nos trilhos novamente. Já faziam dez anos da elaboração do seu plano e nada de concreto havia acontecido em sua humilde vida.
Ofereceu-se para mostrar a cidade para a modelo. Que relutou, mas acabou aceitando a oferta depois que um dos promotores do desfile que iria participar adoeceu. Contou mentiras. Disse que estava em negociação para comprar parte da rede de hotéis, que vinha de família tradicional e que conhecia o mundo como a palma da mão.
Vendo como o rapaz coçava a mão, a modelo até pensou em acreditar em tudo aquilo. Talvez não tenha acreditado em nada. Acabaram se beijando, mas nada de sexo. Ela foi embora e nunca mais deu noticiais, mas a alto estima de Otávio era outra. “Beijei uma das mulheres mais bonitas do país”, pensava a todo o momento. Mas o foco não podia ser alterado.
Aos vinte e cinco anos, Otávio não tinha mais paciência. Estava na hora de bolar alguma coisa. Mas antes de ter alguma ideia brilhante, uma luz se acendeu. Era a do velório municipal, onde o corpo do gerente do hotel foi visto pela última vez. O gerente, já com setenta anos, não suportou uma pneumonia. Destoando dos parentes tristes no local, Otávio agradecia aos céus pela chance. Candidatou-se a vaga e foi promovido. Quase quatro mil reais por mês já era suficiente para comprar uma caixa de uma cara cerveja e duas putas para comemorar a promoção.
Vinte e seis anos. As coisas melhoravam, mas estavam longe do patamar do ídolo. O jornal noticiava o aumento do PIB do Chile e do México. Ambos superiores ao do Brasil. “País de merda”. Otávio passou a mirar a vaga de diretor da rede de hotéis, ocupada por um estadunidense abrasileirado. Seu nome era Paul, todos o chamavam de Paulo. Era um cara legal, mas teve a infelicidade de estar no ambicioso caminho de Otávio.
A vida afinal é assim. Às vezes o lugar certo importa mais do que a essência de quem está ali. E o lugar certo para Otávio não parecia ser a gerência de uma simples unidade, mas sim de toda a rede. Propôs uma meta para si mesmo, aos trinta anos deveria estar na vaga de Paulo.
No aniversário de vinte e nove anos, Otávio recebeu de presente o convite para o enterro da mãe em Ribeirão Preto, que não via há quase dez anos. Nunca ligava e a mãe, depois de dois anos tentando, sem sucesso, contato com o filho, desistiu. Otávio ficou triste, mas não podia pedir dispensa do trabalho para acompanhar o velório. “Iria gastar uma grana que não tinha”, disse-me em uma de nossas conversas durante o almoço.
Para comemorar o aniversário, um bom vinho e uma puta. Loira. Otávio tinha um ano para subir de cargo e começava a pensar em como fazer isso. Começou a frequentar todos os eventos onde a diretoria e os donos da rede hoteleira confirmavam presença. Puxava o saco, pagava vinhos que não podia pagar e jantava em restaurantes que cobravam por um prato, valor maior que o seu salário. Mas as coisas iam mudar e mais uma vez o cartão de crédito o salvou.
Marcou uma reunião com o patrão máximo e propôs uma promoção. O chefe aumentou seu salário em vinte por cento, mas não promoveu Otávio, que saiu frustrado. Só havia uma forma de conseguir atingir seu objetivo em um ano: matar Paulo. A crise de consciência passou a existir na cabeça de Otávio não pelo ato criminoso que arquitetava, mas pelo fato de seu ídolo nunca ter nada parecido no currículo. “O filho dele atropelou um ciclista”. Paulo não costumava andar de bicicleta, mas caminhava todos os dias de manhã. Um atropelamento e pronto. Otávio encheu a cara e resolveu colocar seu plano em prática. Não dormiu naquela noite, bebeu vinho, conhaque e Whisky gostava demais de cerveja para colocá-la na situação. Pegou o carro, um Toyota Corola preto, ano dois mil.
Antes de atingir seu alvo, Otávio passou por cima de três crianças que brincavam na calçada. Matou as três, estava a uns noventa quilômetros por hora. Apanhou de alguns moradores depois que parou no poste. Seu carro foi destruído e Otávio foi preso. Nunca chegou a encostar em Paulo.
Conheci Otávio na cadeia. Hoje, com trinta e dois anos, ele ainda cumpre os dez que pegou por homicídio doloso se não me engano. Otávio já foi estuprado, estuprou, leu e releu a biografia de Eike e começou um negócio dentro da cadeia, consegue aparelhos telefônicos das putas que contratava em seu tempo de liberdade. Repassa aos camaradas por uma quantia e dá um terço para as putas. “Um puta negócio”, ele me dizia com trocadilho infame. Planejava comprar alguma rede de telefonia móvel. Mas declarara guerra a Eike Batista.
O ódio vinha da própria ignorância. Otávio não sabia que o ex-ídolo vinha de família rica. A meta agora é ir para o Hawaii antes de completar quarenta.