Muladeiro (capítulo XXI)
_____ Acho que vou pegá o menino lá na casa da Mariquinha, judiação dele. Como será que ele tá, numa hora dessa? - Falou Israel, que nem se deu conta de que estava sozinho na casa, visto que Minduim havia saído para cuidar da criação.
Sem mais o que fazer, e avistando o irmão no pasto, Israel saiu, para buscar o patrãozinho.
_____ Dona Mariquinha! A senhora tá em casa? - chamava Israel e batia palmas, com a finalidade de quem alguém fosse atendê-lo.
Antonio, escutando a voz de Israel, correu para o portão e o abriu. Deu um pulo no colo do empregado, encostou a cabeça no ombro direito do amigo e chorou demoradamente.
Com passos curtos e lentos, Israel adentrou à casa, sentou-se numa cadeira e colocou o garoto em seu colo, acariciando-lhe a fronte e os cabelos.
_____ Tônio, cê tem se alimentado? Parece que cê tá tão magrinho e desnutrido! Num fica sem comê, não.
_____ Bom dia, Israel, tenho feito do meu melhor por ele, mas ele é marrudo, e só como quando nem aguenta mais - disse a dona da casa, com voz cansada e trêmula.
Israel pediu à Mariquinha que fizesse mingau de fubá, adoçando-o com açúcar mascavo misturado com canela em pó, pois a criança adorava comer o angu.
De prontidão, ela foi fazer o mingau, e Antonio não desgrudava de Israel. Ninguém conversava. O silêncio na cozinha era quebrado apenas com o bater da colher na panela, enquanto o mingau era misturado em sentido horário. O angu foi despejado num prato fundo, e o menino o devorou com rápidas colheradas.
Ao saber das intenções de Israel, Mariquinha explicou-lhe que o garoto estava sob a custódia dela, a mando do delegado. Os três entreolharam-se, espantados, mas sem poder de ação, porque sabiam que uma ordem do Irineo era irrefutável.
Israel ficou com Antonio todo tempo que pode, porém sabia que não era certo deixar a fazenda sozinha, com Minduim. Voltou para casa, pegou umas mudas de roupa para Antonio e, sem demora, levou-as à casa de Mariquinha, que agradeceu, prometendo ao empregado que a criança teria todo o cuidado possível, pois ela devia muitos favores à falecida dona Tina.
Quase perto da porteira, que dava acesso à entrada da fazenda, Israel avistou um carro de luxo, porém desconhecido. Ficou curioso, apressou o andar e tão logo chegou perto do automóvel, viu que o mesmo estava vazio, contudo o capô quente, dava sinais de que o motor tinha sido desligado minutos antes.
Entrou na casa e viu o irmão, calmamente, conversando com dois senhores, que trajavam ternos e calças em linho preto, camisa azul clara, gravata cinza e sapatos pretos em verniz. Ao perceberem a chegada de Israel, levantaram-se e estenderam a mão, para se apresentarem.
_____ Muito prazer, senhor Israel. Somos tios de Antonio. Sei que vocês não nos conhecem. Não moramos muito longe daqui, e logo soubemos do fato contra Teodoro. Estávamos contando ao Minduim, o motivo de nunca termos aparecido na casa do nosso irmão, mas nunca deixamos de ter notícias dele e da família.
Israel foi convidado a se sentar, tomou partido da conversa e escutava, com cautela, cada palavra que aqueles homens bem trajados e educadíssimos falavam.
Feito uma cortina que se abre no palco de um teatro, tudo se esclarecia para os irmãos, que ficaram pasmos com tanta revelação nebulosa.