O IMPERATIVO É SORRIR

Todos reunidos, na sala de reuniões, com seus blocos de notas, tablets, notebooks, postura de conferencistas, data-show, chefia, hierarquia, covardia, etc., depois da pausa para o cafezinho, para estabelecermos as diretrizes, o plano de metas a ser buscado por todos a fim de incrementarmos as vendas, atrairmos novos investidores e recolocarmos a empresa num patamar de competitividade, que só será atingido com o envolvimento de todos e com muita seriedade.

Em reuniões assim dever-se-ia ser aquele momento em que as ideias são postas, sobretudo, por aqueles que sempre têm algo a dizer, e dizem, nos corredores, fila do cafezinho, entre aqueles papos de que está muito frio, ou muito calor e não sabemos mais que roupa vestirmos; entre aquelas falas de que políticos estão votando mais um reajuste aos seus salários enquanto o nosso não aumenta, e quando aumenta é uma merreca, porque tudo já aumentou: combustível, aluguel, matrículas e blá-blá-blá. Mas não são! Porque apesar de ser este o local e o momento, há os ingredientes acima, todos misturados: chefia, hierarquia e covardia.

A chefia detém a hierarquia, é claro! E a covardia, está ao lado de quem não a tem, também é claro! Sendo estas as condições do jogo, sabidas e respeitadas pelos jogadores, pensaram numa dinâmica, na qual os atores principais do enredo pudessem propor a ambos componentes da encenação as tais diretrizes a serem adotas a partir dali.

As ações foram escritas em papeizinhos, em letra bastão, dobradas e postas num saco escuro para serem lidas e analisadas e talvez aderido. Foi feita desta forma para incentivar o debate e abrir espaço a todos, vencer a timidez e quem sabe o constrangimento de apontar alguma falha e propor mudanças, que ousadia! à chefia, se for o caso, porque eles detém a hierarquia.

Temos que reconhecer de tratar-se de uma gestão democrática e disto não podemos nos opor.

Foram lidos os primeiros papeizinhos e até que as ideias foram saindo, do tipo: descentralizar a gestão, grupos de trabalhos encarregados por setores, aplicar melhor os recursos... Muito bom! Também foi lido que o grupo deveria ser mais focado ao realizar suas tarefas, que muita das vezes os comportamentos adotado durante os trabalhos não eram de pessoas sérias, havia muitas brincadeiras no ambiente de trabalho e tais prejudicavam a empresa, porque dispersavam as pessoas... Enquanto se lia o desabafo, notava-se o assentimento, com movimentos lentos e controlados por algumas pessoas.

Seguiu-se o debate e tal proposição foi até apreciada pela chefia, reconhecendo que às vezes extrapolavam-se nas risadas e que já haviam recebido reclamações dos próprios colegas que se sentiam incomodados e achavam que o setor era improdutivo. Tamanha era a consonância da chefia com a ideia que durante sua fala cogitaram a probabilidade de extinguir o setor e que se isto ocorresse haveria um realocamento entre os funcionários em outros setores, algo do tipo: ser mandado a um colégio interno como nos idos do século passado. Finalizaram pedindo de forma austera mais seriedade e compromisso de todos. Só faltou ser aplaudido por aqueles que assentiam com movimentos, só que agora, menos lentos e controlados.

Era nítido que o pretendido era que todos nos tornassem aquele João do "O arquivo" de Victor Giudice. Queria nos remeter à Idade Média, silêncio pelo medo, à introspecção forçada, falta de profundidade; a um modelo robótico, pálido e impessoal: um arquivo.

Talvez alcançassem o ansiado, não fosse o grito, milagroso grito, como no verso do Quintana, do Zé.

Erguendo a mão, encorajado pela áurea democrática, disse não entender a colocação um tanto exagerada, haja vista o setor estar funcionando como todos os outros, os prazos são cumpridos o grupo é dinâmico, demanda pouca intervenção da chefia, enfim, o problema está não no coletivo alegre, mas no indivíduo triste querendo impor sua condição aos demais.

Os outros Zés e também Marias, olharam-se, ao que um deles argumentou que este Zé não estava sendo democrático ao criticar quem fez a proposição e desrespeita o direito das pessoas em defenderem seu ponto de vista. Este Zé, mais convicto que antes disse que não se tratava de ter opiniões diversas e respeitá-las ou não, posto que qualquer um possa pensar o que quiser e propor também, o absurdo era que tal disparate fosse acatado e tornado sério. Zé foi mais longe defendendo que colocar essa questão na pauta de reuniões e deliberarem sobre, na espera que meia dúzia levante a mão negativamente e meia dúzia e mais um votem que sim não é democracia.

É claro que sua colocação causou um alvoroço entre os presentes que o associaram a algum tipo de rebelde anarquista, achando que ele não acataria a decisão soberana do colegiado qualquer que fosse o resultado alcançado. Este Zé foi mais explicito ainda afirmando que de fato não acataria. Primeiro por crer piamente que isso os levaria de volta a uma época a muito superada pela História, do Renascimento à Contemporaneidade. E segundo, ele leu, só não soube citar a fonte com precisão que em algum país ocidental, talvez até o nosso, já se discutia incluir na Constituição que a busca pela felicidade deveria ser, ou deverá ser, um direito de todos e, portanto, um dever do Estado em assegurar esse direito aos cidadãos.

É mais claro agora que os outros estavam não só alvoroçados como também confusos e achando que o Zé estava delirando, só pode! Indagaram, eles sobre o nexo entre essas coisas. Então o Zé disse:

- O que vocês querem é apagar o Sol!

Silêncio na sala, os outros se olharam, a chefia impacientava-se, todos atônitos, quase com a certeza de que este Zé havia endoidado, não só pelo que dizia, mas pela não covardia em se colocar dessa maneira na reunião, abusando da gestão democrática.

- Sim. Querem apagar o Sol!

- Eu explico: quando se pedem para que cessemos com os sorrisos durante o trabalho, o que se quer é apagar o Sol, porque o sorriso é um Sol, como lá no poema de não sei quem. Se me permitem:

“Da palavra sorriso,

se cai o "iso",

depois os "rangidos"

é com o "so" que fico.

Do "so", por ser expansivo,

construtivo e até regenerativo,

de uma lasca

de sua última letra,

ele cresce,

se estica,

contorce-se,

se vira,

desce na forma de "L".

Regenerada,

transformada, a palavra,

tornada Sol - pequeno deus a iluminar,

erradia energia, se Sol,

alegria, se "so", "rangidos" e "iso".”

Depois de ter declamado, Zé se levantou dizendo não poder mais ficar ali. Pediu licença, arrumou suas coisas sobre a mesa, desculpou-se e se retirou. No elevador, já no sétimo andar, sorria, afrouxava a gravata, desabotoava a manga da camisa e sorria; passava pelas pessoas, as cumprimentavam e ai. Na porta de saída do edifício, estranhou o alvoroço, achou que os outros haviam descido antes dele, ao que olhou ao céu e o viu mais que escurecido, pintado a guache cor preto. Era 14 de fevereiro de 2013, São Paulo. Zé por um instante pensou que os outros tivessem conseguido, mas não se importou, os enfrentou lá encima, os enfrentaria agora. Colocou a pasta, que trazia, na cabeça e sorriu na forte chuva.

in: www.werlenmsantos.com

Wérlen M dos Santos
Enviado por Wérlen M dos Santos em 16/02/2013
Código do texto: T4144015
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