Em apenas três dias.

Papai pôs nós três dentro do seu velho calhambeque e saímos feito uns doidos a engolir as ruas, os becos e as avenidas de Porto Alegre. Tínhamos que achar mamãe.

As brigas sempre acontecem, são freqüentes, desmancham-se igualmente e por esses trilhos o casamento anda. Só que tudo isso se apagou momentaneamente em nossas cabeças. Mamãe sumira e não deixara rastro. Nós é que, empoeirados da estrada, a vários olhos, procurávamos com desmedida ânsia. Achar ou achar era a única questão que nos havia sobrado.

Papai possuía dezenove anos, mamãe quinze, quando se casaram. Eu acho muito engraçado quando nos diz que jamais conheceu outra mulher em sua vida, que não ela. Desconfio, zombo dele, mas continua a jurar-nos que essa é a única verdade a nos ser dita.

Eles brigaram dentro de um espetáculo de violência tão hediondo que pensei iam se matar. Eu e minhas irmãs chorávamos feito loucas, apartávamos os dois, gritávamos por socorro e nada de eles pararem com toda aquela animosidade. Muito estranho mesmo o que presenciávamos. Quando cansaram dos empurrões e dos palavrões trocados ante a ira, ele entrou no quarto e ela arrumou, às escondidas, sua valise. À noitinha, após o jantar – dessa vez bem mais cedo do que o costumeiro pegou o elevador e evadiu-se do prédio sem deixar qualquer recado.

_Sua mãe?

_Saiu.

_Pra onde foi?

_Se o senhor não o sabe, quanto mais a gente! Disse para papai.

A noite demorou a passar. Dia seguinte confirmamos que nossa mãe havia passado a noite fora de casa, pela primeira vez após ter-se casado. Dentro do carro, depois de intensa busca, batemos hotel por hotel até cansarmos e voltarmos para casa sem qualquer sinal de sua presença física. O pavor havia ultrapassado nossas preocupações e até a polícia estivemos a pedir ajuda para achá-la.

Passaram-se três dias. Ela retornou pela manhã de um lindo dia de primavera. Nós estávamos tristes, chorosos e nem acreditamos quando a porta da sala se abriu e ela adentrou. Papai tinha ido à farmácia comprar um ansiolítico e ainda não havia retornado. Abraçamo-la com força para arrebatar toda a saudade e a tristeza ir-se de perto de nós.

_Mamãe, por quê?

Balançou a cabeça como se na resposta não coubesse culpa ou peso. Apenas sorriu e foi ao seu quarto trocar de roupa e esperar papai para um longo bate-papo, agora cordial, rico doutros barulhos alegres, proibidos para nossos ouvidos. Entendemos e deixamos que os dois namorassem. Descemos, nós três, para o playground do edifício onde morávamos e subimos algumas horas mais tarde. Desconfiados, apresentavam-se felizes e descontraídos, como se quisessem encobrir o que lhes havia acontecido. Coisa de gente grande, entendemos. Permitido apenas aos maiores de idade, talvez.

Aproximadamente há uns oito dias depois de sua fuga irada, procurei-a para conversar e saber como havia passado esses três longos dias. Quando ouvi seu relato pormenorizado do que havia feito, nessa ausência doméstica, alimentando a raiva besta que tivera de papai, quase caí de costa.

_Mãe, e agora?

_Está feito, filha. É guardar de seu pai, para sempre, senão nosso casamento estará acabado.

Ela me falou que ainda na primeira noite que entrou no hotel, foi ao restaurante e bebeu bastante gim com soda limonada. Lá para as tantas, quase embriagada, chamou a atenção de um certo jovem que descontraidamente ouvia a pianista executar lindas canções. Olhou-o intensamente entre risos nem tão discretos.

_Era quase uma da manhã quando ele veio ter comigo. Sentou-se e nos pusemos a conversar. Disse-lhe a verdade e ele se aproveitou do patinho frágil que estava à frente de seus olhos e fomos para a cama.

_Mãe...?

_Fomos! Foi ótimo. Faria tudo outra vez. Um circo diferente.

_Mãe...? Você...?

Pelo resto de nossa conversa, eu a tive diante de mim, não mais como a mulher de antes. Seus olhos pareciam ainda brilhar, como se àquele instante ela tivesse em seus lábios, a dulcidade do prazer provado. Não havia mais como ser igual ao passado. Fervilhava dentro dela uma força estranha, tão estranha mesmo, que chegava a assustar-me. Foi aí que eu chorei desconsoladamente e meu pai viu tudo. Quis saber de mim o que eu havia sabido dela e eu, molhada de lágrimas de desgosto, deixei o instante ir-se sem que nada eu revelasse a ele e assim fiz, deixando-o sem qualquer aperto no coração, porque ela era a mulher que ele mais amara na vida e, se soubesse, tudo estaria desmoronado entre eles e nós a sofrer por uma decisão que só nos poria no rastro de uma certa prostituição que estava latente em mamãe, gritando para ouvidos escondidos.

Ela passou a encontrar-se com o dito cujo. Papai, tolo, não desconfiava de nada. Eu passei a vê-la com outros olhos. Repreendia-a e ela apenas me dizia:

_É impossível, Lúcia, esquecer aquele homem!

Gostava de sair ao meio-dia, quando papai tinha o costume de alimentar sua sesta, aí até lá pelas três da tarde, quando inocentemente se punha a sonhar.

Saí de casa aos dezenove anos para não mais vê-lo ser feliz do outro lado do engano que adulterava minha omissão de filha. Amava os dois e, sentia, estava convencida, que agir assim era-me a única maneira de deixá-los ser felizes para sempre. Arrumei meu saco de dormir e parti. Meus primeiros oito dias fora de casa foram terríveis. Vencidos arrumei trabalho interessante e só após seis meses de ausência, liguei para eles e informei-os onde estava. Ouvi de mamãe ao telefone: se soubesse que você ficaria assim, jamais teria lhe contado.Fui infiel duas vezes!