O melhor detetive do mundo
- Sabe garoto, hoje em dia com toda essa coisa de internet, o trabalho se tornou muito mais fácil, no meu tempo a gente se vestia de mendigo e ficava até quatro horas sentado na rua do coitado, verificando horários de entrada e de saída, aonde ia e com quem. Hoje o cara escreve tudo isso no facebook, abre o e-mail e coloca o endereço da amante, nome, sobrenome, se calhar bota até a profissão, em uma hora alguém com meu talento termina o trabalho e tira o resto do dia de folga.
- Mendigo? Eu sempre imaginei um carro parado na frente da casa e o investigador tomando café.
- Isso é coisa de filme ou de amador cara, você também imagina um sobretudo marrom desbotado e um cigarro? Ha ha ha ha! E o cara não ia desconfiar nenhum pouco de um malandro que estranhamente se alimenta dentro do carro em frente a sua casa depois de alguns dias. Profissionais não trabalham desse jeito, os mendigos sabe, é uma classe maravilhosa para gente como nós, ninguém nota nos mendigos, se quisesse você poderia observar o cara por dias e ele nem perceberia que você está lá, é incrível, as pessoas aprenderam a tratar os mendigos com se eles não existissem sabe por quê? Porque daí então elas podem chegar ao lar e comer um grande filé, sem pensar que tem um pobre coitado passando fome a apenas alguns metros, todo mundo quer ser bonzinho, todo mundo quer ter a consciência limpa na hora de dormir. Todos nós sabemos que nada nos impede de ajudar por nós mesmos essas pessoas, então, para não ter de assumir que somos todos uns grandes canalhas, nós os apagamos da nossa mente, os tiramos de nossa visão, eles são invisíveis, cara, ninguém os vê ninguém nem vira o rosto para olhar, por isso, com uma boa caracterização, você pode vigiar até seu próprio vizinho que ele nunca ia perceber.
- Interessante visão, embora existam muitas ONGS, muitos projetos sociais, que procuram ajudar esse tipo de gente. Acho que existem exceções.
- Guri, isso tudo é besteira, tudo desperdício de tempo, retire a quantidade exorbitante de dinheiro que o governo manda e todas essas ONGS e projetos e eles acabam na hora, nada é feito pela boa vontade das pessoas caridosas, tem muito dinheiro sendo desviado aí, muito funcionário publico que justifica seu salario de classe media alta ensinando um desses coitados a dançar capoeira. Eu particularmente nunca entendi por que eles ensinam um mendigo algo tão sem sentido quanto capoeira, ou malabares, ou xadrez, como se ele fosse consertar a própria vida agora que ele sabe que o bispo só se move em diagonal. Cara, esse tipo de gente que organiza esses projetos, quer mais é que mais e mais mendigo apareça, pra poder aumentar a verba, e no fim do dia, os filantropos vão para casa se vangloriar aos parentes da difícil missão, do martírio e dos ideais de seu bondoso pensamento, alguns deles realmente acreditam nisso! Mas os melhores admitem o que realmente são.
- Eu acho que o senhor vai querer que eu retire esse trecho da conversa do jornal de amanhã não?
- Claro! Troque por algo como: “essas exceções é que fazem com que eu olhe com esperança para o futuro!” ficou lindo.
- Realmente. Mas, quanto recebe um detetive particular?
- Na minha época cobrávamos pelas despesas como gasolina, alimentação, suborno e uma comissão de quinhentos reais por dia, davam para pagar as contas e viver tranquilo.
- E qual foi seu caso mais complicado?
- Não haviam casos complicados meu rapaz, era sempre a mesma estória, o marido desconfiando da esposa, ou a esposa desconfiando do marido, quase sempre acabava em divórcio. E eu ia para o Rio de janeiro com a patroa e as crianças.
O repórter deu um longo suspiro, eu sabia que essa matéria seria terrível.
- Muito obrigado pelo seu tempo Sr. Dermot acho que utilizaremos essa matéria ainda esta semana.
- não minta pra mim garoto, eu sou detetive, eu sei que estava esperando algo como China Town, mas infelizmente não tem muitas explosões, a única vez em que atirei foi no meu próprio pé por ter esquecido de travar a arma, a patroa ri desse fato até hoje.
- Esqueci com quem falava por um momento Sr. Dermot, mas, falemos com sinceridade então, se suas declarações são realmente reais, como consegue não se deprimir com o trabalho, com os mendigos, com a vida?
- Ficar depressivo! Mas se é tão engraçado, as pessoas vivendo sua vida de mentira sobre um castelo de cartas. Um simples tapa e elas desabam num abismo de escuridão e desespero, inclusive eu e você. Não garoto eu não fui, e ainda sou, o melhor por acaso, eu enxergo o mundo como ele realmente é, e como sempre foi, e sempre será. Um poço de desespero e terror coberto uma colcha de retalhos bem colorida, mas já que é sempre assim, ora, por que não pisar por sobre algumas cabeças e tentar alcançar um lugar ao sol? Sabe o que lhe aconselho a fazer com sua matéria, invente! Não vou negar uma vírgula do que escrever, só peço que quando saia na rua e passar por aquele mendigo ali em baixo se pergunte, o que eu realmente sou?
- Eu... Eu farei, muito obrigado, muito obrigado, foi esclarecedor.
O repórter puxou uma nota de cem reais e deixou na mesa em frente ao velho
- Você está me insultando, quero quinhentos.
- Mas que ultraje, se eu mesmo terei de inventar a história! Isso não é...
- Justo?
Terminou o velho homem com uma entonação de deboche que desmanchou por completo a expressão colérica do repórter, e os dois caíram em uma demorada gargalhada, quando finalmente conseguiram se recompor o repórter falou entre arfadas.
- Duzentos e nada mais, se não vou lhe envolver em algum escândalo sexual com um cachorro e um travesti.
- muito Justo.
Os homens se levantaram e apertaram as mãos, o repórter virou rapidamente em direção da porta de saída, quando o velho lhe chamou novamente, ao se virar, observou o detetive tirar do bolso um maço de cinco notas de dois reais bem guardadas.
- o seu troco.
O repórter não comentou nada, simplesmente pegou o dinheiro e foi embora, já matutando como escreveria a matéria, já na rua o mendigo lhe estendera a mão.
- um trocado, por favor.
O repórter virou para ele com uma expressão de solidariedade, apalpou os bolsos e falou enquanto acelerava o passo.
- Não tenho nem um tostão amigo, mas que deus lhe abençoe!
- Ao senhor também – Respondeu o mendigo
Do alto de sua janela o velho detetive gargalhava mais um pouco, ao ver o largo sorriso no rosto repórter enquanto este se afastava do mendigo, ele descobriu quem era. E gostou do que viu.