Mudança
Assim. Devagar. Primeiro um ou outro cabelo branco mas ainda força, vontade, energia. O mundo é belo, o amor honrado, o corpo forte. Trabalho, estudo, amo, leio, luto. Por companhia a juventude que percebo em ti, a tua fome de afeto, a tua vontade de ser o meu abrigo, a segurança. A seguir algumas pequenas limitações. Cansada a vista, mais rugas de expressão. De expressão? E o aumento de peso? E a falta de paciência? Por que choro sem motivo? De onde me vem tanta mágoa? Acaba o trabalho e, na aposentadoria, os dias ficam menores. Há sol, primavera, flores, mar. Ainda és, na maturidade, uma companhia apetecível. Conversamos mais. Ficamos mais tempo a olhar-nos em silêncio. O gato dorme sonos demorados no teu colo e o meu copo permanece cheio horas a fio. Vejo muito para lá do horizonte e perco-me. Aonde? Viajo muito para o passado. Rio sozinho. Era muito bom varar a noite, calcorrear toda a cidade, amar, amar, viver intensamente. Ficaste-me tu, prémio que nunca mereci. Acostumámo-nos um ao outro, ficámos parecidos. Às vezes ainda te apeteço, ainda nos abraçamos, ainda há sexo. Cuidadoso, morno, afetuoso. Ainda há fogo nos teus olhos e os beijos que trocamos sabem a nós, frutos maduros, muito maduros. Tenho-te. Estás sempre à minha espera. Anulamos o que nos dividia e, agora, nenhum de nós se zanga por pouca coisa. Sinto muito o que sentes, choro as tuas dores, Estou sempre contigo. Leio-te. Nada há de mais gratificante que chegar a velho a teu lado.