O Avô João

Lá vem o João Ducas, com as ideias malucas e c´o pingo no nariz.

Se me queriam ver arreliado quando emburrava, era dizerem; já embufaste, pareces o João Ducas, como se uma pessoa não tivesse o mais sagrado direito de se ofender ou se sentir magoado no mais íntimo do seu ser. De não responder quando falam connosco, de ficar mudo e acenar com a cabeça, dizer não, não quero, quando apetecia dizer, quero, quero. Ou dar um piparote em qualquer coisa, que a ajudasse a afastar a nossa frustração ou raiva. Quando por medo de alguma vassourada não tivesse de responder a um sim ou um não entre dentes, obrigando o nosso ego a dar trambolhões de meia noite sempre que era obrigado a ceder.

A minha mãe sempre que se zangava comigo, usava e abusava, dessa comparação com o meu avô. Assim como da utilização que dava à maldita vassoura multi-uso, pois no seu dizer: «quem dá o pão dá a educação». Educação uma gaita! Então um ser humano já não tinha direito ao seu orgulho c´os diabos! Só porque era criança abusava-se assim. Meu Deus quanta injustiça! Estes momentos de solidariedade para com o meu avô eram extemporâneos, desvanecendo-se conforme a cólera se ia dissipando do meu espírito rebelde.

As ideias malucas, que o meu avô teve nos seus tempos de rapazote, até com elas eu tinha que arcar. Como se fosse um crime atar um cabrito ao badalo do sino, num acto de discordância com o padre, que não queria o relógio na torre, por dar os toques das horas de noite no sino e o acordar.

Também dizerem que eu era tal qual o meu avô, só porque quando emburrava, ia meter a cabeça debaixo da cama, para a minha mãe não poder ver os gestos de raiva e assim escapar há multi-usos. Era uma grande injustiça, lá isso é que era. Quando a minha mãe e o meu pai se zangavam e andavam dois a três dias sem se falarem, eu nunca lhes dizia que eles se embufavam e que eram tal qual o João Ducas. Nem nunca peguei na vassoura e distribuí umas vassouradas nas suas lombeiras, que era o tratamento que me davam para desemburrar. Enfim, problemas com a liberdade de expressão e de democracia.

Ao que ouvi dizer, na pesca, o meu avô era duma azelhice que envergonhava qualquer neto, porém na caça era um ás, com a sua espingarda de carregar pela boca, raro era o dia que não trouxesse uma ou mais peças de caça, para casa; nesta parte, já gostava que me comparassem com ele.

Na pesca, com uma cana improvisada e uma mão cheia de minhocas, após uma manhã inteira a mergulhar o anzol, cheguei à triste conclusão que nem com ajuda de São Pedro, haveria peixe naquela casa, a não ser, o comprado à sardinheira. Tal avô tal neto! Então ia praticando a minha pontaria com a atiradeira(Fisga), que andava sempre no bolso de trás, juntamente com meia dúzia de pedrinhas, previamente escolhidas, sim, porque nisto de caça, as munições são muito importantes.

O meu avô descendia de uma família de caiadores «os artistas». Tinham por funções: caiar, pintar, colocar vidros e arranjar telhados. De Inverno, o trabalho escasseava e naqueles dias em que chovia, não havia forma de ganhar dinheiro, a não ser em duas casas brasonadas que normalmente tinham sempre alguma coisa para arranjar. A uma dessas casas mandou o meu bisavô, o filho João arranjar o telhado e por lá andou com um homem durante dois dias. Após o trabalho, o meu avô todo ufano, diz para o pai:

- O trabalho está pronto meu pai. Não sei quem é que arranjou o telhado anteriormente que deixou uma série de telhas levantadas, mas agora ficou um trabalho feito como deve ser. Tão depressa, não volta lá a chover.

- Ó meu desgraçado, que fizeste tu? - Pergunta o meu bisavô com o rosto vermelho de raiva. – O que vamos comer para o ano que vem, se não deixaste uma beira a pingar, aqui e além, para nos garantir o pão no próximo Inverno?

Confuso com aquela atitude do pai, o avô João não compreendia, quando se tinha esmerado tanto à espera dum elogio e a paga foi receber uma reprimenda daquele tamanho.

O meu bisavô, com a desculpa de verificar se o trabalho estava bem feito, lá foi desviar duas telhas e garantir trabalho para o próximo inverno.

Lorde
Enviado por Lorde em 10/02/2013
Reeditado em 10/02/2013
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