O Bombeiro

Seis e trinta, o despertador deixa o estado pachorrento do seu tic tac, para a sua função predilecta, a de acordar os dorminhocos e com toda a força da sua mola, passa freneticamente a sacudir o seu pequeno pêndulo e bater ora numa ora noutra das suas pequenas campainhas, vibrando qual bailarino em cima do palco a executar sapateado, até ser interrompido por uma mão nervosa, que lhe trava o pêndulo.

-Vai! vai todos fora da cama, seus mandriões. – Diz uma voz carinhosa, que embora sacudindo ameaçadoramente uma almofada, recebe como resposta dois sorrisos meios ensonados.

Um cheirinho a café e torradas, emanava da cozinha, quando uma voz feminina grita.

-Rogério despacha-te com as crianças, que o café está na mesa.

Uma grande algazarra se ouve por toda a casa, correrias, risos, ordens, num vaivém em nada usual. Era fim-de-semana e dia de ir à praia, promessa à muito feita pelo pai que devido ao trabalho raramente tinha os fins-de-semana livres.

Rogério era bombeiro e a escala de serviço não se compadecia com a sua vontade em aceitar o convite do cunhado e passar dois dias bem passados, no parque de campismo, dar uns mergulhos, comer uma sardinhada e dormir uma sesta, enquanto as crianças jogam à bola com os primos, na segurança do parque.

Já em cima da ponte, com ar de satisfação Rogério comenta:

- Eu não vos disse que se não nos despachássemos íamos apanhar bicha. Olhem lá para traz, o montão de carros ainda nos acessos à ponte.

- Eh, eh, meninos! Para onde é que pensam que vão? Vamos, é ajudar aqui a descarregar o carro. - Diz a mãe sorridente, perante a pressa dos pequenos em irem para a praia.

«Que bom é o Verão». Pensa o Rogério que de óculos escuros, vai lendo o jornal e ao mesmo tempo vigiando a pequenada, como o cunhado dissera, – «Rogério, olho no burro outro no cigano que esta malta é endiabrada».

O almoço correu “às mil maravilhas”, apesar dos mais novos torcerem o nariz às sardinhas, mas a promessa de à noite o jantar serem pisas, devolveu a costumada alegria à malta.

Após o café, Rogério refastelou-se numa espreguiçadeira ao sol, para dar uma corzinha ao físico, muito branco de um ano inteiro de farda vestida, enquanto o cunhado e as mulheres arrumavam os apetrechos do almoço.

Os risos dos pequenos, eram música para os ouvidos do Rogério, enquanto pensava de como era triste o Inverno por não permitir este contacto com a natureza, o Verão sim! É alegria, é calor, os banhos de mar, os petiscos ao ar livre, a cervejinha gelada, os dias grandes, as festas populares, acampar no parque, e de tronco nu de noite, ver milhões estrelas no firmamento. Abençoada estação, tão cheia de coisas boas. Com estes pensamentos Rogério mudou de posição e adormeceu novamente.

«O alarme soou e em menos de um minuto já escorregavam pelo varão, correndo em direcção à viatura que os aguardava com o motor roncando. Em louca correria e com as sirenes berrando para afastar o trânsito. No interior do camião auto-escada, Rogério e os camaradas, iam dando os últimos retoques no equipamento.

A rotina, não impedia que os corações daqueles homens, pulsassem num ritmo acelerado, até chegarem ao local do sinistro, apesar de muitos deles contarem no seu currículo centenas de fogos. Porém, em frente do teatro das operações, acalmavam. Uma calma responsável e eficiente tomava conta do espírito daqueles homens, fruto do treino e disciplina.

O fogo lavrava no último piso, num prédio de três andares. Enquanto a escada magirius se estendia Rogério e um camarada acorreram escada acima…»

- Acorda, acorda, homem! Ai santo Deus! A dormir ao sol, onde é que tens a cabeça marido? Queres apanhar um escaldão? - Diz a esposa docemente, enquanto abana Rogério para o acordar.

Lorde
Enviado por Lorde em 09/02/2013
Reeditado em 10/07/2014
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