A Caçadora
A geladeira pingava uma água escura e mal cheirosa pela casa toda. Estava com pressa e não teria tempo para limpar aquela bagunça. Apesar de todo o banho não conseguira tirar a sensação de cama do seu corpo. Era o primeiro dia de um emprego novo, queria deixar a melhor impressão possível e não poderia chegar com cheiro de cama. Perguntava-se sempre se somente ela tinha esse cheiro. Ninguém havia comentado antes. Mas talvez isso fosse um tanto constrangedor para se comentar assim na cara dura.Subiu no ônibus, sentou perto do cobrador que tinha um lugar para apoiar as pernas que a deixava um pouco confortável. Percebeu logo todos os passageiros que a vista poderia alcançar, como era um costume seu. Sempre ficava a observá-los assim como cientistas observam cobaias em laboratório. Existem figuras engraçadas nos coletivos. Acho que é de praxe em toda cidade mais populosa ter certas figuras representadas por pessoas que nem mesmo sabemos de onde são mas já vimos algo parecido em algum lugar. Aquele ônibus iria dar uma imensa volta pela cidade, mas era o único que parava em frente ao seu novo lugar do ganha-pão. Queria descer bem na frente já que estava com um salto alto e não queria andar muito, pois era extremamente desconfortável. Não conseguia entender porque nós mulheres usamos sapatos que nos machucam. Já bastavam os homens.Ah... Em se falando em homens, acabara de subir um homem lindo no ônibus. Não sabia por que, mas tinha a impressão que ele havia olhado para ela até com certo interesse. Sentiu que o cara tinha sentado próximo para chamar a sua atenção. Observou que o belo homem tirou de sua bolsa, de marca até bem cara (deveria ser granado, pensou...mas por que de coletivo? talvez um ambientalista?). Um livro de um autor que tinha o sobrenome Buarque - deveria ser um parente do Chico Buarque. Era bom então, o livro (era fã do cantor). O ônibus ia seguindo seu rumo. Presidente Vargas entrando na José Malcher. Começou a ficar nervosa, pois sua hora de descer estava por chegar. Pensou em ficar e observar em que lugar ele iria saltar. “Ai que maluquice a minha” pensou. “Nem sei quem é esse cara - sei que não é casado. Não usa anel de compromisso.” Mas até parece que isso queria dizer alguma coisa. Uma vez leu em uma revista que a aparência , ou seja, o modo de se vestir, dizia muito da pessoa. Então aquele ali era, sem dúvida nenhuma, um homem maravilhoso. “Que futilidade” - pensou!Tentava de muitas maneiras não aparentar ser uma pessoa fútil. Achava isso um grande defeito, uma postura que não a agradava. Mas ali naquele ônibus, por cerca de vinte minutos, estava mantendo uma atitude tão fútil que ficara envergonhada. A geladeira. Lembrou rapidamente da geladeira! “Ai, vou ter que limpar tudo quando chegar !!!” Mas nem havia chegado ao trabalho! Quando voltou a si, observou que o cara já havia descido! “Poxa, perdi a oportunidade de talvez conhecer o pai dos meus filhos !!!!” Em um lapso de segundos imaginou tanta coisa. Ah...Minha parada...Fez o sinal. Ao descer do ônibus viu um cara lindo subindo...”Pôxa - e esse aí ???” Será que seria esse? Não sabia por que, mas tinha a sensação que encontraria o homem da sua vida em um lugar bem inesperado – talvez em um ônibus. De qualquer forma, ela já acordava pronta para a caça – nenhum lugar seria inesperado.– “Mas, certamente, limpando a minha geladeira é que não seria...Não é mesmo¿” pensou por fim.).