Haja homeopatia!
Ele era um jovem carrancudo, de pouco falar. Quando respondia alguma coisa era com monossílabos, não sim, talvez ; quando muito falava, era para dizer não sei.
Os outros o olhavam desconfiados, porque todos logo se enturmaram, e ele, ali isolado na sua mudez. Nossa classe, embora fosse pequena, com somente onze alunos, no entanto, em todo o colégio havia aproximadamente duzentos estudantes.
Estudávamos em regime de semi internato, íamos para o colégio aos domingos, às dezenove horas e só tínhamos permissão de voltar para casa aos sábados, depois do almoço. Em realidade só íamos em casa como visitantes.
Abílio, filho de portugueses, com aquelas típicas sobrancelhas grossas, sempre andava com vidrinhos de homeopatia nos bolsos, era deveras estranho.
Quando olhava para ele, sempre tinha a impressão de que estava de mal com a vida, mas aprendi desde cedo que não deveria ser intrometido, que cada um ficasse na sua, assim seria melhor para todos.
Nem todos pensavam como eu, logo apareceu um para se meter com ele.
Acordávamos às seis horas ao toque de sinos, depois de arrumarmos nossas camas, íamos para o banheiro coletivo, onde tomávamos banho, e fazíamos a higiene pessoal, colocávamos os uniformes, e seguíamos para o refeitório, para o café da manhã.
Fizesse calor ou frio, tínhamos sempre que entrar naquela água gelada, senão aparecia alguém com um balde e iniciava o ritual.
- Gato! gato! gato! Diziam os demais garotos, em coro, e jogavam água fria sobre o recalcitrante.
Numa dessas ocasiões, Abílio chegou no banheiro com dois enormes tamancões, bem maiores que seus pés, decorados com estampas vascaínas. Foi o bastante para chamar a atenção do Curió, um mulatinho metido a malandreco, que puxou o coro:
- Tamanco, tamanco, tamanco, e seu apelido assim ficou.
Numa manhã alguém perguntou:
- Tamanco, esses remédios são para quê?
- Para me dar paciência para ouvir besteiras...
Aquela resposta foi mais gelada que a ducha de água fria do banho matutino, ninguém ousou falar mais nada, mas gerou comentários no grupo...
- Esse Tamanco é muito estranho...
- Grosseiro, é o que ele é...
Na aula de francês, o professor disse para o Tamanco. Sr Abílio, traduza:
- Le leon est le roi des animaux! (o leão é o rei dos animais!)
E o Tamanco, vacilante, sem saber responder, ouviu um cochicho do Curió, e o repetiu em alto e bom som:
- O leão quis urrar e desanimou...
O carrancudo professor olhou sério para ele e perguntou:
- O senhor quer brincar comigo?
Foi quando, lá do fundo da sala, alguém arrematou:
- Haja homeopatia!
Ele era um jovem carrancudo, de pouco falar. Quando respondia alguma coisa era com monossílabos, não sim, talvez ; quando muito falava, era para dizer não sei.
Os outros o olhavam desconfiados, porque todos logo se enturmaram, e ele, ali isolado na sua mudez. Nossa classe, embora fosse pequena, com somente onze alunos, no entanto, em todo o colégio havia aproximadamente duzentos estudantes.
Estudávamos em regime de semi internato, íamos para o colégio aos domingos, às dezenove horas e só tínhamos permissão de voltar para casa aos sábados, depois do almoço. Em realidade só íamos em casa como visitantes.
Abílio, filho de portugueses, com aquelas típicas sobrancelhas grossas, sempre andava com vidrinhos de homeopatia nos bolsos, era deveras estranho.
Quando olhava para ele, sempre tinha a impressão de que estava de mal com a vida, mas aprendi desde cedo que não deveria ser intrometido, que cada um ficasse na sua, assim seria melhor para todos.
Nem todos pensavam como eu, logo apareceu um para se meter com ele.
Acordávamos às seis horas ao toque de sinos, depois de arrumarmos nossas camas, íamos para o banheiro coletivo, onde tomávamos banho, e fazíamos a higiene pessoal, colocávamos os uniformes, e seguíamos para o refeitório, para o café da manhã.
Fizesse calor ou frio, tínhamos sempre que entrar naquela água gelada, senão aparecia alguém com um balde e iniciava o ritual.
- Gato! gato! gato! Diziam os demais garotos, em coro, e jogavam água fria sobre o recalcitrante.
Numa dessas ocasiões, Abílio chegou no banheiro com dois enormes tamancões, bem maiores que seus pés, decorados com estampas vascaínas. Foi o bastante para chamar a atenção do Curió, um mulatinho metido a malandreco, que puxou o coro:
- Tamanco, tamanco, tamanco, e seu apelido assim ficou.
Numa manhã alguém perguntou:
- Tamanco, esses remédios são para quê?
- Para me dar paciência para ouvir besteiras...
Aquela resposta foi mais gelada que a ducha de água fria do banho matutino, ninguém ousou falar mais nada, mas gerou comentários no grupo...
- Esse Tamanco é muito estranho...
- Grosseiro, é o que ele é...
Na aula de francês, o professor disse para o Tamanco. Sr Abílio, traduza:
- Le leon est le roi des animaux! (o leão é o rei dos animais!)
E o Tamanco, vacilante, sem saber responder, ouviu um cochicho do Curió, e o repetiu em alto e bom som:
- O leão quis urrar e desanimou...
O carrancudo professor olhou sério para ele e perguntou:
- O senhor quer brincar comigo?
Foi quando, lá do fundo da sala, alguém arrematou:
- Haja homeopatia!