A Arte de Sofrer

Sempre me pergunto o que há comigo. Tenho sabedoria para sair deste caminho doloso, ou pelo menos me convenço disso. O que me impede de usá-la para sair deste infortúnio? Estranho que, por mais melancólica que a vida me parece ser, por mais depressivo que eu seja não consigo me afastar dessas coisas. Não consigo me enxergar vivendo de outra maneira. Sinto-me engajado num processo evolutivo pelo qual eu precise viver como estou vivendo agora para chegar onde nem mesmo sei. Apenas sinto que é assim que precisa ser... Estou preso ao desejo de sofrer e experimentar o lado profundo do sofrimento para poder evoluir.

Lembro-me de quando era um jovem alegre, sorridente, feliz com a vida; tudo que eu fazia era sorrir. Mas olhando para o passado, percebo que nunca aprendi nada com a felicidade, pois não havia o que aprender, não havia necessidade, eu estava bem onde estava. Nada do escrevia parecia profundo, não sentia os sentimentos fluírem pelas mãos e transformarem-se em palavras escritas. Tudo me parecia muito raso, os momentos passavam por mim sem que eu os notasse. No final do dia, apenas mais um dia feliz, sem qualquer noção dessa felicidade...

Os anos se passaram e fui me tornando um homem melancólico, depressivo e cheio de dúvidas em relação à vida. As coisas foram piorando à medida que os anos iam se passando. Quanto mais eu crescia, mais o mundo perdia a graça, mais a vontade de viver ia se extinguindo. Não tinha desejos do quais as pessoas se apegam para prosseguir com a vida, isso simplesmente não me fazia sentido, não queria uma vida de árduo trabalho e estudos ao lado de pessoas que não gostava ou não se identificava, sendo obrigado a conviver com os mesmos, desfrutar da aposentadoria e depois morrer de morte natural ao lado dos familiares... essa ideia era inconcebível, viver não poderia ser somente isto. Viver se tornou uma tortura.

Larguei o conforto de minhas crenças e descrenças para explorar o mundo afora. Ao sai do quartinho confortável em que vivia, rodeado pelas coisas que me ensinaram, deparei-me com um mundo absurdamente grande, o qual me fez perceber que o universo não girava somente em torno das crenças do meu mundinho aconchegante.

Um belo dia, quando fui tomado por uma torrente de lágrimas sem sentido e sem motivos, olhei para o céu acinzentado e me questionei sobre a natureza do sofrimento. Senti que minha mente saltava para um nível maior, escalando montanha acima, na busca pelo topo. Não consegui obter as respostas, mas a sensação inebriante que me envolvia enquanto buscava as fontes do sofrimento era imensuravelmente prazerosa. Era como exercícios físicos, só que mentais. Quanto mais eu explorava o universo desconhecido, mais a minha mente parecia evoluir, mesmo sem saber muitas das respostas para as perguntas as quais eu tinha. Foi aí que comecei um caso sério com o vazio existencial. Fui me envolvendo nele, fazendo parte dele, até que nunca mais consegui deixá-lo para trás. Tornou-se um vício. Ele cravou em minha alma e seguimos trilhando pela vida.

A necessidade de aprender foi se tornando absurdamente grande, nem mesmo era capaz de absorver tudo aquilo que aprendera. Mas a carência dentro de mim argumentava que precisava descobrir as respostas para perguntas que, muitas das vezes, nem mesmo sabiam quais eram. Um sentimento envolvente que nos faz querer buscar repostas para o desconhecido, pois a ausência da felicidade era o caminho para olhar a realidade profunda, e essa falta era preenchida com o conhecimento. Não demorou muito e já não me lembrava do jovem garoto feliz que sempre estava sorrindo, só o que sentia era o sentimento de ter sempre pertencido àquele estado de espírito.

Mas nem tudo é sofrimento; ao experimentar a crise de existir, também senti a dádiva de viver. Por consequência do sofrimento que me levou ao conhecimento sobre algumas coisas, fui capaz, mesmo que tenha sido por ínfimos momentos, de sentir a vida em sua máxima vitalidade e completude. Pois, assim como olhei profundamente para o sofrimento, fui capaz de olhar profundamente para a beleza da vida e enxergar o mundo com a vivacidade que o jovem sorridente jamais conseguiu enxergar.

Num dia ensolarado, onde os pássaros cantarolavam suas canções alegremente. O vento soprando meus cabelos para trás com seus dedos finos e invisíveis. O céu repleto de nuvens aconchegantes e uma árvore de copa grande, transbordando sua sombra por metros à frente. A intensidade daquela cena fez com que eu entendesse o real significado de se estar vivo; era uma sensação de gratidão por estar mesclado nesta teia cósmica da vida. Neste mistério insondável. Foi como estar dentro de um sonho sublime, onde o tempo não se aplica. O tempo parecia estar parado, por instantes pensei ter ganhado a eternidade ...

Com o tempo fui aprendendo a olhar para a vida de forma que perfurasse o véu que sempre me impediu de ver e desfrutar da verdadeira vivacidade das coisas. Muitas vezes eu a alcancei, mas nunca por que a buscava, mas por estar ciente da verdadeira beleza que se esconde atrás dos espelhos que carregamos nos olhos.

"Existir é insano, ao mesmo tem que viver é uma dádiva..."

Ainda hoje, em meio a intensas crises existenciais, intensas angustias existências, sou grato por ser quem eu sou, pois o homem triste que me tornei, foi quem mostrou aos olhos do jovem sorridente, a importância de cada momento e a eternidade de um instante...

"A insanidade de existir, quando vista como a existência de um milagre, rompe o véu que carregamos nos olhos para vermos a vida pela perspectiva da eternidade..."

Nishi Joichiro
Enviado por Nishi Joichiro em 05/02/2013
Reeditado em 03/04/2013
Código do texto: T4123811
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