NOITE MORTA
Numa noite fria e silenciosa, Lindalva, uma mulher de uns trinta anos, cabelos compridos, olhos azuis e nariz afinado, andava sozinha numa rua escura e solitária.
Lindalva olhava para os lados. Não deixava de sentir um certo fascínio ao passar por aquela rua. E sempre ela, com os olhos umidecidos, ficava imaginando que alguma coisa sobrenatural e misteriosa estava para acontecer. E por isso, sentia os seios pesarem no busto, as pernas enfraquecidas e uma impressão de que tinha uma bola de lã presa na garganta.
Esquisito. O único som que ela ouvia ali era o coração querendo saltar-lhe da boca. Enquanto isso, ela continuava a andar segurando uma bolsa de alça nos ombros e o silencio pipocando em seus ouvidos.
Não tinha outro jeito. Aquela sensação de que seria golpeada por trás, não lhe dava somente medo e terror, mas também uma vontade de gritar e procurar abrigo e proteção. E ali, naquela rua, Lindalva via janelas alumiadas, gatos andando nos telhados, muros pichados e sentia um cheiro pútrido de esgoto a entrar pelo nariz. E sem duvida nenhuma, e com um frio envolvendo seu corpo, ela se sentia um tanto medrosa. Sim, medrosa. Pois tudo ao seu redor: casas, arvores, poste, luz, e até, gato, cachorro, rato, barata, tinha um ar fúnebre e assustador. Era como um ar de morte, uma tendência para o crime; numa expectativa concentrada no mal, na violência, em que ela não deixava de pensar em caixão, vela, velório, cemitério.
Lindalva continuava andando. O silencio lhe zumbia nos ouvidos e por um momento ela teve a impressão de que era oca por dentro. Claro, se sentia desprotegida. Se pelo menos ela pudesse conversar com alguém, poderia dizer: oi, você sempre passa por essa rua... Mas não havia ninguém. E o que ela tinha como companhia era as arvores se mexendo ao sabor do vento, uma sacola querendo levantar vôo no meio da rua, e as batidas do seu próprio coração.
E num dado momento, como quem ensaia uma peça de teatro, Lindalva viu, horrorizada, uma grande ave olhado para ela de cima duma mangueira ao pé da rua.E ouvi um momento em que as duas criaturas se encontraram num namoro. Lindava se sentiu atraída e ao mesmo tempo estúpida. Aqueles olhos amarelos atravessaram-na como um raio luminoso. E ela diminuiu as passadas e, com o rabo dos olhos, ficou a contemplar a ave. Sim, uma coruja. Lindava pode vê. No entanto, a ave se sentia sozinha e triste como ela. Querendo amor, paixão, carinho e atenção. Por um instante, teve ímpetos de correr ao encontro dela. E muito calma, com muito cuidado, ela passaria a mão na cabeça da coruja em forma dum carinho gostoso e, cheia duma intenção agradável, muito leal e amiga, diria: oi, você sempre passa por essa rua...
Lindalva sorriu ao pensar nisso. Logo ficou atarantada, confusa, envergonhada, quando lançou outro olhar para a coruja. Não pode deixar de sentir um certo temor em olhar para aqueles olhos cheios de uma frieza aguda. E parecia também, que ela, Lindalva, não estava perto duma ave e sim dum réu, que analisava e estudava seus movimentos, suas ações e seus gestos. Como se ela fosse à culpada pelo silencio e por tudo de ruim que existia naquela rua.
Então, depois de apressar o passo e notar que a arvore e à coruja estavam para trás, Lindalva muito seria e quase arrependida de ter encarado a coruja, não pode deixar de sentir no peito uma mistura de alivio e sossego. De repente o vento começou a soprar forte como um pulmão cheio de fôlego. Do silencio evangélico passou a ser, como uma coisa diabólica, um vento em fúria.
Lindalva, cansada e tremula, viu ao longe, o fim da rua que parecia um funil negro e obscuro. Estava salva. Mas salva do que? – salva da vida doce e ingênita da ave.