Taquicardia.

Às vezes, parecia que o azar havia se enterrado em sua pele. Tamanho era o fardo do seu estresse que Helena já acordava exausta todas as manhãs. Todavia, não eram poucos os problemas. O pai falecera há seis meses e dele Helena herdara apenas o coração fraco, pobre coitada, dilaceravam-na incontáveis crises de taquicardia. Suas contas encontravam-se todas por vencer, eram prestações e mais prestações...

Todavia, não era desconhecida a origem de seus dramas, já que desde o óbito do pai, Helena fora obrigada a dividir-se entre o trabalho e os cuidados que dedicava à mãe. E que doce de senhora, cujos, anos e a cegueira trataram de atar a uma cama! Logo, diante de tanta candura Helena não tivera opções e reduzira drasticamente o tempo gasto com as aulas de geografia que ministrava no colégio mais conceituado da cidade!

De porto seguro mesmo Helena só possuía Claudio, seu marido, um competente cirurgião que cumpria bem os deveres de ajudar a mulher e se esforçar para abrir a própria clinica. Bastava que Helena tivesse uma pequena crise e Claudio, logo, prontificava-se a ajudá-la, ministrava-lhe calmantes, servia-lhe o jantar e a colocava para dormir. E assim quase toda noite, Helena agradecia a Deus pela dedicação do marido e chegava até a lamentar-se por ser tão ausente, por não revelar a ele a gravidade real de seus problemas.

Há quatro meses, num desses dias amargos, Helena deparou-se com o seu maior problema. Logo, a tarde ainda sofrendo a dor latente da perda do pai ela decidira ir ao cemitério. Apesar da garoa fina que caia Helena sequer molhou-se, pois, de repente, fizera amizade com uma jovem senhora que havia ido visitar a cova do marido. As duas caminharam juntas pelas alamedas do cemitério até que, subitamente, a chuva cessou e as novas amigas em meio a promessas de reencontros separaram-se a fim de deixar flores nos túmulos de seus respectivos finados. Helena mal havia acabado de chegar à lápide do pai quando avistou a vários metros à frente a jovem senhora a agachar-se e estender a mão para o nada, logo depois, helena a viu levantar-se com o marido e caminhar pelo gramado até sumir sem explicação. Pobre Helena, ainda se recuperava do baque de tal visão quando ouvi uma voz chamando-a, a voz de seu pai. Com o coração quase saindo pela boca Helena corre em disparada rumo à saída do cemitério.

Dia depois, e a lembrança dos bizarros acontecimentos não havia lhe abandonado a cabeça. De madrugada, destinada a cuidar da mãe e encarar a insônia bastava que Helena tentasse dormir que, logo, começava a ouvir um arrastar de móveis na casa da mãe. Certa noite quando retornava de uma ida ao banheiro jurou a si mesma ter visto o espírito do pai ao lado da cama da mãe a acariciar os seus cabelos. Novamente, com o coração ameaçando saltar pela boca Helena refugia-se com uma garrafa de Uísque na cozinha. No dia seguinte, fora necessário que a sua mãe ligasse para o seu marido para que este viesse acudi-la em outra de suas crises. Depois de cumprido o ritual dos remédios, ombro amigo e afago é que Claudio conseguira colocá-la para dormir.

Helena flutuava, divagava em seu sono dopado, em sonhos visitava a escola que antes fora a sua paixão. Recebia SMS de declarações de afeto do marido, entendia que ele não voltaria para casa por ficar preso a outra cirurgia. Helena não sofria, no sonho, sua mãe voltara a andar e a recebera em casa com uma mesa farta de doces. Todavia, o sinal da escola bateu, mas não um sinal comum e sim o sinal de alerta. A escola estava pegando fogo e cabia a Helena ajudar os alunos. Logo, que se certificou de que todos estavam salvos suas forças esgotaram-se, entretanto, dois braços fortes a ergueram e a retiraram do prédio em chamas. Eram os braços do pai, que cuidadosamente a colocou na calçada, beijou-lhe a testa e disse:

_ Fuja do fogo e cuide de sua mãe!

Helena assiste ao pai ir embora sem pronunciar uma palavra sequer, havia inalado fumaça demais e se encontrava rendida a estafa. Todavia, tão logo ela recobrou as forças olhou para os lados a procura do pai, mas não havia nem sinal dele, não notara nada ao seu redor além do fato do pai tê-la deixado em frente a sua seguradora.

Já, era noite quando Helena acordou, sentia o seu corpo pesado, mas ficara feliz por não acordar em meio à outra crise do coração. Até animou-se quando o marido a convidou para jantar fora, afinal, faltava-lhe mesmo um pouco de vida real. Talvez fosse mais feliz se voltasse a lecionar com afinco, ou, se a mãe se recuperasse das doenças. Talvez as aparições do pai se devessem a uma partida iminente da mãe. Era muito talvez para uma vida só, certeza mesmo Helena só possuía uma, precisava viver. Por isso, ignorou quando o pai surgiu ao seu lado minutos antes dela sair de carro!

novamente, o coração ameaçava saltar pela sua. E assim numa tentativa de acalmar-se Helena começa a mexer nos objetos esquecidos no carro, encontra mil inutilidades perdidas. Avista uma mancha de molho de tomate no blazer do marido e tenta tirá-la com um cuspe, a seguir percebe um volume no bolso e encontra os remédios indicados pelo marido. Suas vistas estavam cansadas, mas Helena não queria foca-se na dor e, logo, decide ler a bula. Encontra seguinte especificação.

_ Não recomendado para cardíacos.

Um estalo, não apenas um baque! Uma pontada no coração e a cabeça de Helena simplesmente pende para o lado. Apenas um piscar de olhos e ela levanta-se, saí do carro e espanta-se ao ver o próprio corpo. De repente, sente o toque das mesmas mãos fortes que a salvaram do incêndio no sonho.

_ Lamento, como pude eu tentei te avisar. Ele te deixou doente, agora, receberá um seguro de vida em seu nome e abrirá a clínica!

Buendia
Enviado por Buendia em 31/01/2013
Código do texto: T4115754
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.