'Despedida
A mulher de pé na porta da choupana deixou o olhar rolar pela areia branca e fina, pelo cajueiro sem frutos naquela época e, finalmente, para o mar, alí tão pertinho , no murmurar de sempre, parecendo a ela que lhe dava conselhos e mostrava o caminho a seguir.Só não sabia se eram conselhos, bons ou maus e isso teria que destinguir, só que, não havia mais tempo.Todos os dias ela abria a sua alma e o seu coração diante daquela imensidão, podia ser um dia de sol ou de chuva, só o mar, azul, verde, cinza, ao sabor do tempo e da luz, não importava porem, qual o jeito, para ela o símbolo do mar era o azul, a cor como ela imaginava a felicidade.
Não foi por falta de querer ser amada, fez das tripas coração, enfrentou lutas e desânimos, lutou com todas as suas forças, mas agora, estava cansada.Sabia, dentro da sua simplicidade, que não fora amada, que da parte dele nada passou de pouco querer, de hábito,aceitação de quem pede pouco da vida.Até ela já estava perdendo o seu jeito de ser.Quando os dois, deitados na areia, após o amor, ela fitava o céu, coisa que ela sempre achara tão linda, não sentia a mesma graça de antes.Nas noites frias, deitados na rede, parecia não mais sentir o calor do coração do companheiro e ela, na sua simplicidade, sabia que não podia durar muito mais aquele chamego.Compreendia que , da parte dele, sfora só a busca do prazer, o alívio do sexo, nada mais.Não adiantou nada a ânsia com que ela se dava, o fogo das suas entranhas, o amor do seu coração.Existem coisas que não podem ser forçadas,mesmo o amor, pode ser
como chuvarada de verão, que dá forte e passa.
Pensando a sua vida, lembrou-se do dia que fora procurar Tia Leontina e, como ficou sem graça, diante daquela mulher sabida em coisas de mandinga, reza forte, despachos e arranjos de vida, só ela que vivia no meio dos santos, poderia dar um jeito no seu homem.Tia Leontina, na sua sinceridade de mulher rude, confiante na sua sabedoria, falou que era perda de tempo, não carecia de incomodar os santos por uma coisa que não poderia da certo.Ela só trabalhava para o bem e, forçar algo a quem não deseja tal, seria maldade pura.Os santos de cabeça deles dois, não combinavam.Agora a mulher já estava morta e enterrada há tempos e o que ela previra estava se cumprindo.Não havia mais ninguem a quem ela pudesse recorrer e, por mais que estivesse sofrendo sabia que tinha sua parte de culpa, pois, se tivesse dado ouvidos aos conselhos sábios da vidente, o seu sofrimento podia fazer parte do passado, de ontem, mas, agora, era vivencia e dor, correndo soltos.
Seu ventre . seco nem para gerar um filho servira. Talvez que uma criança pudesse ter servido de amarra , nó de marinheiro, para segurar o seu pescador.Na mesma hora de tal pensamento, ela sentiu remorso, pois, desde quando , um filho pode servir de ancôra para segurar um barco naufragando?Seria até pecado, filho é para ser amado e desejado,jamais para segurar amor de homem ou mulher.Muito ela se esforçou para serem felizes, foi sempre uma boa companheira, cuidava com carinho do pouco que possuiam,trazia nos trinques, dentro da sua pobreza,a casa humilde.Sentiu até saudades de quando ia lavar a roupa lá longe, em uma nascente de água doce e fria, onde gostava de ficar um tempão com os pés metidos na água, olhando as árvores em volta.Aquela iria correr para o mar e tudo seria uma coisa só, assim como ela desejou ser parte daquela vida.
As suas lembranças já faziam parte do passado e era bestice continuar sonhando , a dor da despedida já estava ardendo no seu peito.O que segura um homem não é reza nem promessa , é só a vontade dele de bem querer.Com relutância, como se um fiapo de esperança ainda pudesse existir , ela entrou na choupana para arrumar os seus trens.Foi colocando seus poucos pertences na toalha estampada de flores que ela nunca vira,deviam ser flores das estranjas,daquelas terras que ficavam alem do horizonte.Depois de tanto tempo, ela levaria só oque trouxera quando ali chegara, pois, ele nunca lhe dera nada, um anel de pedra de vidro, um vidrinho de água de cheiro, um corte de chita, uma fita para os seus cabelos cacheados.A indiferença dele tomava conta de tudo, por isso não iria deixar nada, alem do seu coração.
A trouxinha não ficou pesada, mas o peso não lhe incomodava, estava já acostumada a carregar latas de água, e isto lhe lembrou como ele ficava olhando ela balançar as cadeiras no equilíbrio ,principalmente, quando a água entornava um pouco e lhe molhava a roupa colando o pano fino no seu corpo moreno.Era só um homem olhando uma mulher bonitinha.Não era amor, só desejo.Depois de tudo arrumado ela teve um momento de fraqueza e foi sentar no banco ao lado da porta, o banco da espera de todos sos dias.O vento soprou mais forte e a areia fina rodopiou em espiral.O mar batendo na praia parecia lhe dizer: nunca mais...Lógo aquela areia estaria invadindo a casinha, tomando conta de tudo, a porta de madeira descascada iria ficar batendo , com um som lúgubre de abandono.Isso até era bom, não podia pensar em outra mulher vivendo ali.Que o vento e a chuva destruisse tudo.
Quantas tardes, na boca da noite, ela ficara sentada naquele banco a espera dele?Ficava feliz e aliviada quando avistava, ao longe corcoveando como um cavalo selvagem , a embarcação.Quase sempre ele acenava de longe.Quando a pesca fora proveitosa ele chegava sorrindo, quando não, vinha de cara fechada, mas ela havia se acostumado as suas mudanças de humor.Hoje seria diferente, no meio do caminho ela mudaria de rumo e ela veria o barco verde sumir atrás do cabo, e do outro lado, em outra praia , aquela fingida , que chegara com cara de amiga e um riso falso na boca, estaria esperando, e noite de amor seria dela.Uma vez a tia Leontina, que ela não podia esquecer, a que vivia no meio dos santos, lhe falara que , não é roubo se apossar do que não pertence a ninguem, e agora, ela sabia que isso era verdade, ele nunca fora, realmente, dela, só tivera ocorpo não a alma, esta estava bem guardada para ele oferecer a quem realmente amasse.
Chegara a hora ela partir, antes que noite chegasse e ela se perdesse caminho.Despedidas alongadas só aumentam o sofrimento e as suas lágrimas já tinham se misturado as águas do mar.Com cuidado
ela colocou a trouxa na cabeça, prendeu no cinto as sandálias de couro e escondeu nos seios o pouco dinheiro que tinha, e, antes de entrar na mata que cercava a praia deserta, lançou um último olhar para o mar, e, naquele momento, avistou o barco verde contornado o cabo.