Bom dia
O sorriso gratuito.
A gentileza.
- Bom dia.
- Bom dia.
- Um café com leite, por favor.
- Sim senhora.
- E um pastel folhado. Tem de quê?
- Frango com catupiry, presunto e queijo...
- Presunto e queijo.
- É pra já.
- Aceita vale?
- Não...
- Cartão?
- Sim senhora.
- Posso esperar na mesa?
- Sim senhora, eu levo para a senhora.
- Grata.
...
- Aqui está o pedido da senhora.
- Grata. Está adoçado?
- Não senhora, mas temos sachês nas mesas...
- ...
- Perdão, já volto.
- Nada.
- Aqui está: açúcar e adoçante. Trouxe também os guardanapos. Desculpe qualquer coisa...
- Imagina!
- ...
- E não me chame de senhora, estou muito nova para isso, hahaha.
- Ah, sim senhora.
- Mas!
- Desculpa, moça!
- Bem melhor.
- Mais alguma coisa?
- Tem jornal?
- Tem sim senh... moça.
- Hahaha, traz pra mim, querido?
- Aqui está.
- É de hoje?
- É sim.
- Vocês não têm medo de abrir, com essa invasão aqui do lado?
- Ocupação.
- Isso.
- Na realidade, é um acampamento Sem-Terra.
- Ah, sim. Está aqui no jornal. É capa, o que eles querem?
- Terra.
- Engraçado.
- Por quê?
- Tanta terra ociosa nesse país e o povo vem na cidade invadir.
- Ocupar.
- Pois é.
- Eu também acho.
- E vocês não têm medo?
- Hã?
- De abrir.
- Não, senhora.
- Mas estão fechando mais cedo, não é?
- Sim.
- Sabia. Nunca se sabe que tipo de pessoa está aí nessa multidão.
- É verdade.
- Desculpa, estou te incomodando.
- Nada.
- É que eu não entendo. Eles ficam tanto tempo acampados. Como eles vivem?
- Pois é.
- Você é estudante?
- Sou sim.
- E já tem o seu emprego, muito responsável.
- Tem necessidade.
- Se meus filhos tivesse esse tipo de obrigação, aprenderiam a valorizar mais o dinheiro que gastam.
- Com certeza.
- Esses Sem-Terra...
- O quê?
- Povo batalhador.
- A senhora acha?
- Sim. Estão aí protestando, lutando pelos seus direitos. Está aqui no jornal: querem que o governo tome uma atitude... Mas não tem jeito.
- Por quê?
- Nesse mundo, meu filho, tem muita desigualdade.
- Sim.
- Não tem jeito.
- Talvez não...
- Só protestar não adianta. Invadir também é criminoso e desonesto.
- Ocupar.
- É, ocupar...
- Bom dia.
- Bom dia, senhor.
- Um cappuccino.
- Somente?
- Só.
- Fique à vontade, senhor, eu levo na mesa.
- Ok, posso sentar aqui?
- Claro! Bom dia.
- Bom dia. Você trabalha no tribunal?
- Sim, no protocolo.
- Bem que me era familiar. Prazer, Eduardo.
- Advogado?
- Assessor.
- Tão novo! Prazer, Roberta.
- Seu cappuccino.
- Ótimo. E os Sem-Terra, saem ou não saem?
- Diz o jornal que eles vão ficar até a revogação da liminar.
- Nem que fiquem cem anos.
- Por quê?
- As terras que eles foram expulsos são do desembargador.
- Ah.
- E o governador é primo dele. Uma máfia.
- Terrível.
- Mas logo, logo a polícia tira eles daí.
- Já vou indo.
- Eu vou com você.
- Tá. Tchau, menino!
- Tchau, moça.
Oito horas se passam. Alexandre tira o uniforme e fecha o Café, pois o dono tem mandado fechar mais cedo. Checa os cadeados, pega a mochila, põe o boné vermelho e volta para o acampamento.