COISAS DE CARTEIRO

- Mãe, to com fome...

Como resposta, Beto recebeu o olhar de tristeza, era o código de que o pouco que tinha, era para Wellington, o caçula. Beto, um adolescente de quatorze anos, morador da Samambaia, comunidade do Rio de Janeiro vivia a triste rotina de “não ter”. A mãe, Eulália, viúva desde a gravidez do filho mais novo, lutava para manter a família, mas nem sempre podia, devido a saúde precária. Porém, não abria mão de ver os filhos no colégio.

Próximo dali, num Centro de Distribuição dos Correios, Almir, um carteiro quase aposentado, conversava com Maduro, seu supervisor:

- Ta cada vez mais difícil entregar as correspondências na parte alta do Samambaia.

- É, tenho ouvido falar.

- Há ocasiões que “rapaziada” não deixa subir.

- Pior que não temos uma solução.

- Tudo bem, vou continuar o meu trabalho. – Disse terminando a triagem do dia, pensando nas várias situações vividas ao longo de vinte e oito anos de jornada.

- Como é rapaz, vai ou não? – Perguntou Julinho.

- Não sei cara, e minha mãe? – Beto respondeu pensativo.

- O papo é reto! Dei uma idéia no “home” e ele disse que ta tudo bem. Você “entra” como fogueteiro, fica na atividade e depois de um ano você passa a “soldado”. Acabou a miséria irmão!

Julinho era “cria” da comunidade e primo de Beto. Vivia a mesma realidade até que decidiu aderir ao “movimento” e em bem pouco tempo passou a desfilar numa moto com roupas de marca, em outra realidade.

- Agora é a sua vez Beto! Somos pobres cara! Ninguém ta nem aí pra nós. Vai deixar sua mãe morrer de tanto trabalhar cara?

- É que eu fiz a inscrição naquele curso, lembra?

- Lembro! Há quanto tempo? Seis meses? Não vão chamar. Isso é carta marcada. Coisa de filhos A, B ou C.

- Mas você também acreditou...

- É, mas fome não espera!

Beto lembrava ao primo sobre a inscrição num programa do Governo que possibilitava a contratação numa estatal ao término do curso.

- Pensa bem cara – Disse Julinho antes de sair da cena.

Naquela tarde, Almir sentia um incômodo no estômago “Deve ser nervosismo” pensou ao chegar à região de entrega. O calor “35º” incomodava, mas não era impedimento para o Carteiro que, como sempre, cumpriu cada etapa da atividade.

Beto viu quando a mãe saiu a procura de algo que se traduzisse como sustento para ele e o irmão. Sentiu uma lágrima quente molhou seu rosto. Há muito vivia a revolta de viver o sofrimento da mãe. “Chega!” pensou. Saiu de casa disposto a aceitar o convite do tráfico.

Almir constata que a rota está quase completa naquela sexta. Ergue um envelope pardo destinado para Luiz Alberto Tavares; Rua doze, casa três. “Caramba, é na área do “movimento”. Preocupado, passou a mão no rosto e enxugou um suor. “Tenho que ir” decidiu. Entrou na viela. Encontrou um rapaz com “cara de poucos amigos”; “Qualé tio? Vai aonde?”; Ouviu; Mostrou a carta. Continuou.

Quando virou uma das esquinas, viu quando um jovem vinha em sua direção em passos firmes; parecia preocupado; conversava com o tempo. Com a aproximação perguntou:

- Olá amigo, conhece o Luiz Alberto?

O, quase, menino olhou assustado e respondeu:

- Se é Tavares, sou eu.

Sorrindo o “velho” Carteiro entregou a correspondência e se foi. Beto, ainda surpreso, viu que se tratava da inscrição. Não esperou voltar pra casa. Abriu ali mesmo o envelope e leu: “Aguardamos sua presença na próxima segunda feira, com documentos para inicio no curso de solda”. Beto lia cada palavra emocionado pela resposta da vida a sua vida, enquanto Almir voltava para o Centro de Distribuição, sem saber que sua dedicação em entregar a correspondência mudou para sempre a vida daquele rapaz.

Nota do Autor: Trata-se de um conto, mas com a sutileza que uma atitude pode mudar um mundo!

Obrigado a todos os Carteiros!