Um larápio bonitão, porém trapalhão
Vinha observando há dias certa quantidade de ração dispersa no piso, próxima à vasilha da comida de Bob, que parecia esvaziar-se mais rápido que de costume. Fiquei intrigado, mas não dei importância ao fato, imaginando tratar-se de mais uma das estripulias, próprias da jovem cria de mestiço pequinês.
Certa ocasião, acabando de tomar o café matinal, me encostei no umbral da sacada, a contemplar o agradável despertar da manhã, exposto à leve brisa tangida pelo vento da praia encostada à minha morada. O tempo prometia estar ótimo para um bom banho de sol na orla logo mais.
Dirigi minha atenção para o mimoso canino, quando este se posicionou de forma curiosamente estratégica, próximo ao grande jarro de plantas que enfeita o terraço. Fiquei espreitando aquele gesto matreiro do dócil amigo.
Ouviu-se o canto flauteado de um bem-ti-vi, espécie de aves que povoam os beirais nas tardes e manhãs desta agradável ilha de Upaon Açu.
Bob esgueira-se... Vi levemente o pelo do seu dorso levantar em sincronia com as articulações de suas breves patas. O pássaro fagueiro deixou o pico da chaminé da churrasqueira e lançou-se em vou rasante para lograr a guloseima, e antes de tocar na vasilha vigiada, Bob projeta-se como uma flecha abocanhando o pássaro, que por um triz, escapa entre as mandíbulas do pequeno guardião, deixando um chumaço de penas pelos ares, entes de tocar a corda do varal que dista entre a base e o alvo mal calculado pelo robusto trapalhão.
O “ladrão” de cardápio saiu errando o percurso de volta ao ponto de vigília, pousando no beiral da casa ao lado. Saracoteou a penugem, penteando a cobertura amarelada do peito, com agulhadas do próprio bico, e por fim, pipilou duas vezes. Quem sabe dizendo: Uffffa... escapei por pouco.
Agora pude observar com detalhe sua robustez. Era bem mais longilíneo e encorpado que os demais de sua espécie. Cuja plumagem parecia mais sedosa e de cores mais vivas que os demais do bando. Que ironia: a ração que serviu para nutri-lo certamente tirou-lhe a destreza para voar. E em busca da refeição alheia, quase vira sobremesa do dono do prato.
São Luís/MA, 17 de janeiro de 2013