DOIS BICUDOS

Manhã de céu nublado, temperatura amena. Dia lindo, a seu ver. Recostados no sofá, seus músculos repousavam. O corpo estava relaxado. Algo havia acontecido. A sintonia era perfeita. Os órgãos rítmicos (coração, pulmão) comandavam a métrica do momento.

Além do vidro, seus olhos e outros sentidos apreciavam uma cena mimética. Um casal unia esforços e atitudes para aperfeiçoar seu lar. Prevendo a chuva, que se anunciava, urgia proteger as crias.

Não entendia sua linguagem, uma pena. Mas não restavam dúvidas de que o casal comunicava-se entre si. Tarefas compartilhadas, gestos sincronizados. Um arremata, outro aguarda, com parte dos insumos em “mãos”. Revezam. Hora de nova investida, nova colheita de materiais. Incansáveis. A construção precisava estar acabada antes que as próximas gotas despencassem dos céus encharcando seus sonhos.

Tudo era calculado com minúcias. Cada fragmento trazido para compor as paredes, simbolizava aumento da expectativa de vida sua e de seus herdeiros. Por isso cada voo era importante, crucial. Ninguém fazia corpo mole. Corpinhos que, aliás, ela admirava. “Que penas!”

O trabalho era levemente intenso e intensamente leve.

Ela sabia que ainda naquela manhã o casal repousaria satisfeito no aconchego de seu lar, carinhosamente construído. Então sentiu vontade de também ser livre, feliz e, como eles, construir um ninho a quatro mãos (ou “dois bicos”).

“Não são tão poucas as arestas pra aparar...” A música de Ana Carolina tocava na “rádio cachola”, embalando a essência da cena presenciada.

“Dois bicudos podem até não se beijar, mas sabem construir junto um lar. Sabem voar e conhecem bem o caminho de volta.” Este pensamento arrancou-lhe um sorriso vivo.

Desde então ela desfruta com prazer aquele momento matinal. Não sabe falar “passarinhês”, mas, como eles também cantam, ela encontrou um jeito.

Dia desses, cantarolando, contou a seus amigos, o casal de bem-te-vis, que seu ninho também seria aperfeiçoado. No voo mais recente que fizera, reencontrara o “bicudo de seus sonhos” e ambos agora planejavam ampliar a família e enfeitar o lar.

Márcia Estulano
Enviado por Márcia Estulano em 19/01/2013
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