Fato Cotidiano 8 - Lidando com o Fracasso
Não lhe restava muita coisa. Ao chegar em casa molhado não teria roupa seca limpa para vestir. Não tinha motivos para continuar indo para lá. Afinal, aquele cortiço não era exatamente um lugar aonde alguém queira ir. Parou em baixo de um toldo e ficou tentando acender um cigarro meio molhado. O toldo não resistia à força do vento. Parou em baixo de uma padaria onde a cobertura não era de lona. Aproveitou a ocasião e tomou uma pinguinha. Sentou na chuva e começou a pragajar contra Deus e a sorte. Tentou em vão acender outro cigarro.
Voltou para a padaria e tomou outra dose da maleita. Pegou um pedaço de papelão, colocou-o na cabeça e continuou a caminhar na direção de casa. Os carros lançavam água pelas poucas partes secas de sua roupa. Ainda que soubesse como não podia se esquivar. Ia para um lado e para o outro carregado pelo rumo apontado por seu nariz. A chuva apertou. Tentou pegar um ônibus mas não foi aceito. Abrigou-se em uma igreja. O padre não se comoveu com a sua situação e o botou para correr. Fora pré-julgado pelo hálito. Talvez o sábio sacerdote não soubesse o que havia se passado nos últimos dez anos. Fatalmente nunca tinha estado naquela situação. Tomava banho todo dia, usava cuecas limpas e dormia em uma aconchegante cama.
Tropeçou e caiu na sarjeta atrapalhando o fluxo da água. Ficou parado ali por um instante. Sentia frio e a água da enxurrada lhe parecia mais amena que a da chuva. Levantou-se e percebeu que já era possível avistar seu prédio, ainda ao longe. Fato este que não o animou muito. Virou a primeira esquerda e começou a andar em outro sentido propositadamente. Parou na frente de outro edifício. Pediu para entrar e se proteger da chuva. Foi escorraçado. Não era digno de confiança com aquela aparência. Uma senhora o chamou de vagabundo. “Olha a situação do pobre rapaz”. “Não deve ter família”.
Enfim uma solução para seus problemas. Se clareou na sua cabeça a saída. Virou-se e começou a andar, trançando as pernas, mas com a cabeça erguida. Parou e pensou que isso não salvaria sua pele. Pelo contrário. Estava em frente à padaria novamente. Tomou mais uma branquinha. Acendeu seu cigarro em baixo da cobertura desta vez, o que não foi inteligente neste momento. A chuva havia parado. Voltou à estaca zero, o caminho de casa. Antes de seu cigarro acabar o temporal voltou a cair. O barulho da chuva e de vento arrastando latas e lixos estavam enlouquecendo-o. Ajoelhou e chorou como não fazia há muito tempo. Gritou, soluçou e lagrimejou como uma criança. Envergonhava-se de si mesmo. Só havia um jeito de lavar a sua honra.
No escritório o chefe fazia serão com a secretaria. Alguns puxa sacos se ofereceram para ficar também, mas foram prontamente despachados. Quando ele chegou os dois estavam transando em cima da mesa. Posição clássica, ela de costas e ele por trás. Agarrou uma caneta e vagarosamente avançou na direção deles. Abriu a porta com cuidado. Ela gemia alto. Ele enfiou a caneta no pescoço dele e depois estrangulou ela. Se sentia muito melhor. Voltou para casa sorrindo e tranqüilo. Amarrou uma corda no teto da cozinha e se enforcou.