SORTE ADIANTE
Na maioria das vezes a sorte é fruto da falta de sorte de outro. Um perde para outro ganhar. Coisa da vida. Dia desses esperava ônibus num ponto esvaziado no centro de Cachoeiro. Perto de mim três ou quatro senhoras preocupadas em se abanar por conta do clima calorento da cidade. Atrás de nós um vendedor de picolés distraído.
Quando me sentei num dos bancos do ponto de ônibus avistei uma nota de cem reais novinha, dobradinha talvez em quatro partes. Olhei para um lado e para o outro e nada, ninguém tinha visto a sorte ‘estatalada’ ali no chão. Não peguei a nota. Fiquei observando quem passaria despretensiosamente e resgatasse a Efígie do chão.
Em seguida passa um senhor cabisbaixo, suado, míope (os óculos de lentes grossas condenava-o), mas de observação aguçada. Curvou-se diante da cédula quase perto dos meus pés. Desembrulhou a nota azul e olhou para mim franzindo a testa, quase perguntando: será verdadeira? Eu, fingindo espanto, balancei a cabeça afirmativamente. O homem saiu rindo do acaso ou de mim que não teria visto aquela sorte, que propositalmente eu passara adiante.