A Senhora Aristocrata
Fernando estava tampando os potes de tinta, guardando os pinceis e dobrando o cavalete. Fora apenas mais um longo dia no Ateliê De Los Angelos, estúdio de um pintor espanhol, no qual, Fernando trabalhava como aprendiz. Já era sete da noite e Fernando já estava se preparando para fechar o estúdio, mas ao tirar o avental sujo do corpo, escutou a porta se abrindo e viu uma senhora entrando, com longos cabelos loiros, um vestido vermelho, uma boina de estilo francês e levava joias no pescoço e nas mãos, era gorda, mas tinha um olhar arrogante. Fernando a achava feia e ela realmente era, mas tinha um ar de elegância e uma postura orgulhosa que impressionava ainda mais que as suas joias caras e era exatamente isso que impressionava Fernando.
– Por favor, rapaz, eu gostaria que você chamasse o Guillerme De Los Santos (assim se chamava o dono do Ateliê), ele me deve um serviço e vim cobra-lo – assim disse a senhora dirigindo-se a Fernando com uma voz rouca, porém autoritária.
– Lamento informa-la, mas meu mestre não se encontra no momento, se a senhora voltar amanha, talvez o encontre e...
– Ahhh, nunca encontro Guillerme quando preciso dele – exclamou a senhora, interrompendo Fernando – Então chame um pintor, eu quero um retrato meu.
– Senhora, como aprendiz de Guillerme, sou o único pintor além do meu mestre – respondeu Fernando.
Ao ouvir isso a senhora, que se chamava Consuelo de Hiero, olhou o rapaz dos pés a cabeça e com um olhar de desprezo e uma voz de quem está desapontado disse:
– Serve, agora pinte um retrato meu, e espero que este seja do meu agrado, pelo seu bem.
Consuelo mal acabava de falar e já estava sentando no banquinho em frente do cavalete, inclinando a cabeça e dando um meio sorriso fazendo pose.
Fernando não teve outra opção, desdobrou o cavalete, apanhou os seus pinceis, abriu os potes de tintas e vestiu um avental limpo. Em frente do cavalete, começou a pintar olhando sempre para Consuelo para dar um retoque no quadro, quando a olhava, tinha a impressão de aquele banquinho não conseguiria sustentar a senhora e que logo iria ceder.
Terminando o quadro olhou para Consuelo e depois para sua obra, era incrível a semelhança, Fernando nunca fizera um retrato tão perfeito e fiel à modelo, depois de admirar o seu trabalho, mostrou para Consuelo, que, com um inesperado espanto, disse indignada:
– Mais que ultraje! Eu nunca fui tão ofendida! – ela dizia sempre elevando o tom de voz – Eu não sou assim tão gorda! Peso, no máximo, uns sessenta quilos, talvez sessenta e dois, mas eu nunca chegaria a este ponto – disse a ultima parte apontando o dedo para o quadro – quero que refaça seu trabalho, pinte novamente e lembre apenas sessenta quilos e nada a mais!
Novamente Fernando teve que refazer o seu trabalho, nunca esteve tão ofendido, mas não tinha outra opção, por mais perfeito que estivesse o retrato, sempre tinha que ceder a vontade do cliente. Terminado novamente o quadro, com a imagem de Consuelo três vezes menor do que a realidade mostrou-o a senhora que deu um sorriso torto e disse:
– Agora sim esta sou eu, apesar de que... – disse dando uma pausa para analisar seu retrato de borda a borda – Ah sim é claro, minha face está completamente errada, meus olhos não são assim tão pequenos e minha boca não é assim tão grande. Refaça novamente o quadro e é melhor você andar mais rápido, não tenho a noite toda.
Fernando teve que se controlar para não quebrar o quadro em cima da cabeça da senhora de Hiero, apenas contou até dez e voltou a pintar, ao mostrar novamente o quadro quase teve o impulso de manda-la ir para o inferno depois de sua resposta:
– Rapaz, eu não sei se você tem algum problema ocular mais não sou assim tão pequena, refaça novamente meu retrato e espero que seja a ultima vez.
Fernando estava vermelho de fúria, mas não poderia perder o emprego, e Consuelo parecia ser uma mulher influente e voltou a pintar.
Ao terminar o retrato, a mulher que pintara não era parecida em nenhum aspecto com a mulher que deveria pintar, pintara uma mulher alta, magra e bonita ao invés de pintar uma mulher baixa, gorda e feia, as únicas semelhanças eram as roupas, o vestido vermelho a boina francesa e as inúmeras joias que levava.
Quando mostrou o quadro a Consuelo, esta pareceu muito feliz e satisfeita, olhou para o rapaz, que viu o sorriso de alegria de Consuelo e não os de sarcasmo e pose.
– Muito obrigada meu rapaz, tardou, mas conseguiu fazer meu retrato de um modo divino – disse Consuelo apanhando o quadro nos braços – diga a Guillerme que vim aqui e que estou muito desapontada por ele não estar aqui para me receber e que não considerarei minha divida paga.
A ver a senhora que lhe tomou a noite inteira para pintar o seu retrato e que no final não era retrato de ninguém saindo pela porta não aguentou a curiosidade e perguntou:
– Mas senhora, desculpe a ousadia em lhe perguntar, mas o quadro que acabo de pintar, sob as suas instruções, não é em nada, parecido com a senhora, não percebe? – conseguiu perguntar Fernando temendo pela resposta.
– Claro que é parecido! – respondeu Consuelo parecendo ofendida – Ninguém mais do que você deveria saber, foi você quem o pintou.
– Sim, claro, mas... – ia respondendo Fernando relutante – mas eu te pintei tão magra e você é tão gor...
– Gorda? – respondeu Consuelo rindo – é claro que eu sei que sou gorda, se não como eu havia comprado este vestido? – continuou rindo ainda mais – você é que não percebeu meu rapaz, eu pedi eu retrato meu, não um retrato do que pareço – completou Consuelo como se tivesse deixado tudo claro.
– Mas senhora eu acho que ainda não entendi direito... – disse Fernando realmente sem entender nada.
– Pois é simples, o fato de eu ser baixinha e ligeiramente gorda é somente minha aparência, uma questão estética, o que eu sou é muito mais do que me pareço rapaz.
Fernando estava finalmente entendendo o que a senhora Hiero estava tentando lhe dizer quando a viu dando um sorriso de despedida saindo do Ateliê.