A ameaça materna

A passagem da infância para a adolescência ainda é para mim uma fase confusa. Se na infância a criança, para além do seu mundo do faz de conta, está no entanto sujeita a uma lei particular e única: obedecer, obedecer e mais obedecer, a adolescência é já um tempo em que já não há o faz de conta, porém a pessoa continua a ter que obedecer. Enfim, já não é criança, mas também ainda não é um adulto.

Esta transição na minha vida, é a altura em que sinto maiores responsabilidades, pois mal acabo a quarta classe, ala com ele para a oficina, aprender a profissão. Mas é também a altura em que começo a pôr as unhas de fora, sabe Deus com que sacrifício. Sacrifício, sim! Era eu a querer impor-me e a minha mãe a impor-se, distribuindo-me generosamente vassouradas pela lombeira que era um consolo, consolo para ela, derivado à frequência com que malhava no meu canastro e ainda tinha o desplante de dizer: - Quem dá o pão dá a educação.

Naquela época, eu e todos os outros que viviam debaixo do jugo familiar protestávamos, mas baixinho, perante um ambiente semelhante aos dos senhores feudais que dispunham da vida e morte dos seus vassalos, sem ter que prestar contas a ninguém

A ameaça da pena de morte, pendia sobre a minha cabeça, como se fosse esse o meu destino e os próprios carrascos eram os meus pais, principalmente. a minha mãe, sim, porque o meu pai limitava-se aos danos corporais.

- Se alguém me fizer queixas de que tu roubaste alguma coisa, que Deus te livre! Porque eu parto-te um braço.

Já quando a minha mãe, por azar me apanhava pendurado nalguma árvore aos ninhos e que pelo seu tamanho a assustava, a pena era mais dura.

- Ai valha-me o Santíssimo Sacramento! Ó meu desgraçado desce cá para baixo. Livra-te de caíres e partires algum braço, que eu mato-te! Eu mato-te meu ranhoso.

As dúvidas com que eu ficava perante estas manifestações de ternura materna, faziam-me pensar na vida, meditando na grande injustiça com que era tratado e sem compreender se era mais caro tratar de um braço partido ou ter que pagar um funeral, mas a minha mãe em questões de fúria não olhava a despesas.

Lorde
Enviado por Lorde em 15/01/2013
Reeditado em 26/01/2013
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