VIDA SIMPLES
Um homem que se desviou da igreja quis tentar a sorte no jogo e ganhou na mega sena. Com a bolada em mãos, comprou apartamentos, carros luxuosos, fazendas e empresas. Depois de um determinado tempo se sentiu longe de Deus e voltou para a religião. Para se arrepender da vida errante, teve que se desfazer de todos os bens, pois viva usufruindo do pecado da jogatina. Vendeu apartamentos, carros luxuosos, fazendas e empresas. A bolada foi direcionada as instituições de caridade, aos mendigos de rua.
Sem dinheiro, mas com a consciência leve, comprou uma casinha no final do bairro. Era tão simples que consistia em apenas quatro cadeiras na sala, uma mesa e fogão na cozinha, uma cama e penteadeira no quarto. Ah essa era a vida! Aquele dinheiro não trazia a felicidade! A arte de pintar paisagens em azulejos e vender a preços módicos aos turistas era o seu sustento.
O começo da manhã era encantador. Quando abria a porta da frente de manhãzinha, que estava trancada por dois pregos tortos e uma escora de pau, sentia o hálito fresco da neblina. O mato estava verdejante. Os carroceiros, com chapéus enormes, passavam numa lentidão monótona. O boi mordiscava uma moita de capim e defecava no meio da rua. O amanhecer era letargo, com fumo de nuvens acinzentadas. No verão, ao anoitecer, parecia que a poeira das casas, das feiras, subia aos céus e sujavam as nuvens. Era o pecador aquilo tudo, dizia, que estava grande.
O ex-milionário viu a infância voltar e sentia-se leve como uma criança. Deixou os filhos dos vizinhos brincarem na frente da casa. Eram partidas de peteca, troca de figurinhas de álbum, pique-esconde. Ele mesmo participava dessas brincadeiras que um tempo atrás pareciam insignificantes, mas que agora dava valor a elas. Até realizou o sonho de menino, que era prender numa caixa de fósforos o temível inseto do lombo amarelo e verde que cavava o chão e que era fora apanhado ao sair da toca.
Depois de brincar com a garotada e esvaziar os litros de agua da geladeira ao final das partidas de futebol, vendo os dedos sujos que ficavam nos copos de tomate, ia sem se zangar se assear também no fundo do quintal. Numa gamela, tomava banho com latadas de aguas que jogava por cima da cabeça, dando pulinhos de animação e jorrando agua para cima.
De noite, a rua deserta, sentava-se na beira da calçada e espiava o movimento melancólico da rua. Via os estudantes desleixados, com perfumes fortes de supermercado, a passarem para os seus respectivos colégios. Nesse momento gostava de dá uma volta pelo bairro. O cheiro forte de frituras anunciava o jantar. Os idosos sentavam nos banquinhos e escutavam os noticiários pelos rádios, onde se ouvia uma voz cavernosa, de outro mundo, como a participar de assuntos do além. De longe, casinhas de barro pareciam adquirir mistérios que ele não conseguir definir. Depois voltava para casa, fechava a porta e dormia.