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ADEUS PAPAI... ADEUS MAMÃE
O dia amanheceu lindo e a geada formava uma belíssima paisagem branca. Campos alvíssimos e um frio intenso. Enfim, havia chegado o grande e difícil dia. A despedida estava se aproximando. O chimarrão era tomado com frequência ao lado do fogo de chão e o café pronto para ser saboreado com uma broa de milho com banha e sal. Todos estavam apreensivos. Sempre numa despedida chora quem fica como também quem se vai. O jovem já havia “escapado” de servir ao Exército e estava quite do serviço militar. Isolados como viviam, não tinha nem noção das barbáries que aconteciam na ditadura militar.
Chegou a hora de ir. Esperar mais, apenas retardaria quem sabe o grande sonho do guri. Contendo as lágrimas, deu um abraço no velho pai e na mãe. Saiu rapidamente para não ver sua mamãezinha chorar. Apenas gritou de longe:
- A bênção meu papai. A sua bênção mamãe. Fiquem tranquilos que chego lá e já arranjo trabalho. Assim que chegar, escrevo contando.
- Vai com Deus meu filho. – Disse a mãe com a voz embargada.
- Tenho certeza que vai dar tudo certo. – Disse o pai, disfarçando as lágrimas.
Seguiu falando em pensamento: “Adeus papai... Adeus mamãe. Como um filhote de pássaro que sai do seu ninho e vai à procura do seu próprio alimento, hoje saio dos seus braços pra me virar sozinho... “. Também vinha à sua mente a música gauchesca Mocinho Aventureiro. (Era mocinho ainda me lembro/ Dezoito anos completei / Eu resolvi sair de casa / Clareou o dia eu me aprontei / A minha mãe me perguntou / Diga meu filho pra onde vai / Não respondi só dei um beijo / E abracei meu velho pai... ). A diferença que o moço da canção saiu e foi se embora montado num cavalo tordilho. O jovem saiu a pé para pegar o ônibus até a cidade mais próxima para depois seguir com outro para capital do seu Estado.
Enquanto esperava o ônibus de cor laranja para ir até a próxima cidade e depois embarcar no outro, aproximou-se um senhor que tinha o apelido de Gaúcho. Este nem sabia o porquê do rapaz estar ali. Veio montado no seu cavalo, muito simpático falou:
- Bom dia guri.
- Bom dia “seu Gaúcho”. – Respondeu.
- Se eu fosse tu, não iria. Desistira agora e voltaria pra casa.
- Mas por que, seu Gaúcho? Por que o senhor está falando assim?
- Sei lá... isso que me veio na mente quando te vi. Boa viagem guri.
O simpático cavaleiro saiu na marcha troteada em seu cavalo zaino. O moço ficou pensando, será que o Gaúcho não estaria certo? Será que desistiria da viagem? Enquanto pensava, veio o ônibus pinga-pinga. Pegou o jovem passageiro e sumiu pela estrada poeirenta. Olhava para trás, só via a nuvem vermelha que ia deixando e formando letreiro no céu.
O objetivo do mocinho aventureiro era trabalhar e estudar. Queria ser alguma coisa na vida, mas seus pais nunca tiveram condições de ajudar e dar estudos, ou seja, uma boa educação. Devido à vida pobre que levavam o que ganhavam mal dava para sobreviver. Sempre que falava que iria pra cidade, arranjar trabalho e estudar, era criticado pela maioria das pessoas, exceto uma ou outra que aconselhava que fizesse isso mesmo.
A capital o esperava. Procurou emprego, mas não foi muito feliz em sua jornada. Em Serviço pesado e bem no forte do inverno, ficou doente. Era acostumado com o labor na roça junto com os seus. Na metrópole foi fazer valetas e não aguentava. Esforçava-se demais. Pediu a conta daquele emprego e pegou outro que era um pouco menos penoso. Depois resolveu tentar a vida como vendedor, mas também não foi bem sucedido. Dormia mal e comia uma vez por dia, porque não tinha dinheiro para comprar. Chegou a pensar em voltar pra casa dos pais, seu antigo ninho. Não o fazia porque tinha vergonha. Havia dito que só voltaria quando estivesse bem colocado, isto é, bem empregado. Escrevia para sua mãe, e dizia que estava tudo bem, e que estava trabalhando. Longe chorava sem sua mamãe saber.
Os dias se passaram. Fez matrícula num colégio próximo de onde morava. Entrou no terceiro ano do curso Primário. No final do dia estava cansadíssimo, mas ia para aula. Chegava em casa (pensão), a janta estava no forno, em um prato coberto com outro. Centenas de baratas passeavam por cima. Era obrigado a comer aquela janta. Era a única alimentação. O banho também era gelado porque a dona cobrava pelo mesmo. Quem pagava, ela entregava um fusível pra colocar atrás do chuveiro. Caso contrário era no gelo mesmo. E o rapaz não tinha dinheiro pra isso.
O jovem como já havia começado seus estudos, concluiu a antigo curso Primário. No ano seguinte passou num concurso local de uma empresa estatal na área de telefonia. Nessa época alguns concursos públicos eram feitos na cidade que tinha a vaga. Teve sorte. Passou. A vida começava a melhorar aos poucos.
O rapazinho tímido continuou seus estudos. Casou-se. Constituiu uma família maravilhosa. Logo vieram os filhos. Sua meta era fazer um curso superior. Passou no vestibular numa universidade pública. Em quatro anos, formou-se. O curso que queria não era aquele. Queria mesmo era ser advogado ou jornalista, mas tais cursos gratuitos só tinham durante o dia e ele tinha que trabalhar pra sustentar três filhos e não tinha condições para pagar uma faculdade particular.
Com esforço, passou num concurso interno (recrutamento interno como era chamado) da Estatal que trabalhava. Foi promovido e transferido para uma cidade do interior do seu Estado. Morou dez anos nessa cidade abençoada. Lá conseguiu adquirir sua tão sonhada casa própria. Ficou morando lá, até que o Governo vendeu a preços de bananas as estatais daquele ramo, ou seja, de telefonia. Ficou desempregado. O padrão de vida caiu bastante. Mas foi guerreiro e enfrentou. Trabalhou em vários lugares, em funções que estariam muito aquém daquilo que era a sua capacidade. Alguns anos mais tarde passou num concurso público do Estado, na área da Educação. Conseguiu entrar para o serviço público. Antes disso, teve problema sério de saúde. Não se foi porque não era hora. Desde guri gostava de escrever poesias, contos e outros. Virou escritor das horas vagas. Depois também das horas cheias. Participou de vários concursos literários, sendo bem classificado na maioria deles.
Os pais do moço já não estão mais no nosso meio, mas deixaram uma herança bendita, que é o de ser honesto e respeitar aos outros. O então jovem, hoje um homem maduro que muito batalhou na vida, mas valeu a pena, faz o que sempre sonhou: escrever. Escreve poesias, contos, crônicas, romances e outros. Tem orgulho em dizer que: “Combateu o bom combate e guardou a fé. Enquanto há fôlego de vida continuará combatendo”.
(Christiano Nunes)