Que culpa tenho eu
- Manuel da Conceição Costa
- Presente, senhor Doutor Juiz.
- O senhor é acusado de ter deixado o seu burro roer as couves da horta do seu compadre Amâncio Gentil. O senhor declara-se culpado ou inocente?
- Inocente Sr. Doutor Juiz.
-Inocente? Então o senhor põe em dúvida a veracidade das testemunhas?
- Vera quê?
- A veracidade homem, A verdade!...É o mesmo como se eu lhe perguntasse se eles estão a falar verdade ou a mentir.
- Isso já não sei v. Excelência. Aqui o Zé Barrigana, mais conhecido por «escorropicha» não tem razão para me querer mal, pois já lhe matei a malvada muitas vezes e a secura também, o tio Edorindo que o diga a quantidade de quartilhos que lhe paguei. Já ali o caga d’alto…
- Pare lá com isso das alcunhas e diga o nome como deve ser.
- Ó caga d'alto! Como é o teu nome mesmo?
- Bom, bom, adiante. Então o réu, não foi buscar o seu animal à horta do queixoso?
- Não senhor doutor Juiz, qual réu qual carapuça, fui eu mesmo que o fui buscar.
- Sendo assim, dá-se como provado o facto. Tem mais alguma coisa alegar em sua defesa?
- Tenho sim senhor Sr. Doutor Juiz.
- Então fale.
- Então é assim: faça de conta Sr. Doutor juiz que o senhor é a minha besta. Eu prendo-o ao poste e o Sr. rói a corda, solta-se e vai às couves daqui do compadre e dá-lhe cabo da horta, enquanto eu descansadinho da vida bebia meio quartilho na taberna. Que culpa tenho eu, se o senhor é uma besta gulosa? Já basta o susto que apanhei quando o não vi onde o deixei. A minha vontade era malha-lo até me doerem as mãos, mas malhadiço como é, era bem capaz de quando eu o montasse, começar aos coices e espetar comigo no chão.
O Juiz vermelho como um tomate, dita a sentença; dois dias de prisão por ofensa ao tribunal e um cento de couves ao queixoso.
Lisboa 11 de Janeiro de 2013.