A escola

-Um t e um à? tá. Um t e um é? T..teeee - Ai! - Gritei eu após uma bofetada que recebi do senhor professor Carvalho. Ainda há poucos dias na escola e já sentia a arte e o carinho do professor Carvalho. Este professor só me merece referência pelo facto de ser o primeiro a afiambrar-me, por sorte adoeceu e foi substituído por um outro mais novo, com outra técnica no ensino e mais comedido nos “carinhos.”

A escola naquele tempo era um edifício térreo dividido em duas amplas salas, ambas com uma pequena sala na entrada, para guardar agasalhos e guarda-chuvas ou sacas de serapilheira que serviam para o mesmo efeito. Uma parte do edifício era destinada ao sector masculino, outra ao feminino. Nada de misturas por via das tosses.

Na sala, para além das carteiras de dois lugares, um grande quadro preto, a secretária do professor, uma pequena biblioteca e uma lareira que nunca se acendeu durante os quatro anos que por lá andei.

A quarta classe foi o ano que mais me marcou por diversas razões, primeiro pelo gosto que adquiri por história, mérito do professor Emílio que sabia como empolgar os nossos feitos e menosprezar os da nação vizinha. Eu embevecido sorvia todas as palavras em que os Portugueses comiam as papas na cabeça aos Espanhóis. Perdoando-lhe até os dias em que vinha com os azeites e por causa da solução de alguns problemas, distribuía reguadas a torto e a direito, com a conivência dos nossos pais que de conluio com o inimigo, ainda diziam: «se ele se portar mal casque-lhe».

Quando já perto do exame recebemos aulas suplementares na sua quinta, com direito a irmos às cerejas desde que apanhássemos uns cestinhos prós gastos de casa. Numa dessas aulas tocou o sino a rebate e que nem uma mola saltámos todos em direcção ao incêndio que lavrava num pinhal.

Uns com ramos, outros com sacholas que o próprio professor disponibili-zou, atacámos com unhas e dentes o incêndio, sobre orientação dos adultos. No fim do incêndio, com a autorização do professor, fomos todos “p’rá moina” para o rio.

No dia do exame estava tudo acorrer sobre rodas, a começar pela boleia que o professor Emílio me deu, no seu Morris preto, de São Miguel até ao local de exame em Tondela. A certa altura na Oral um dos professores diz: - Ora muito bem, agora para acabar, diz-me cá: diz-se semear ou plantar batatas? Perante semelhante pergunta, supus que o professor estava a mangar comigo e o caso não era para menos. Então para quem estava a responder a tudo na ponta da unha, faz-me assim uma pergunta de cacaracá que até o tareco se soubesse falar como os humanos responder-lhe-ia. Senti a vir ao de cima, a cacaborrada do meu feitiozinho que volta e meia só me dava dissabores. Então com o meu estuporado ar de quem sabe mais do que os outros, respondo.

- Ora, ora, senhor professor, é semear batatas! - Quando o professor abanando a cabeça me diz que não, que era plantar e não semear, senti o apoio dos outros pais, que assistiam às provas dos seus herdeiros e provavelmente pensavam: «ora não querem lá ver, então uma pessoa estudada e não percebe nada de batatas!»

As minhas dúvidas continuaram, mesmo após a explicação de que a batata era um tubérculo e não uma semente e como tal, planta-se e não se semeia. Esta questão deu azo a mais uma aula suplementar, já depois de ter sido aprovado, ali mesmo em frente da vitrina com os resultados dos exames que o professor Emílio fez questão de nos explicar.

À noite, após a ceia, deu-me para armar aos cucos e puxar dos galões tentando explicar aos meus pais que estavam errados em dizer semear batatas. Resultado: arranjei uma discussão por causa do raio das batatas.

- Olha este badameco que até ainda há pouco mijava na cama, a querer ensinar quem o criou. – Mas, ó mãe, foi o professor Emílio que me explicou!

- E tu achas que o professor algum dia semeou batatas? Se percebesse disso, não eram os outros que as semeavam por ele.

Perante este poder de argumentação, achei por bem não responder, à vista das tenazes a baloiçar na mão materna, um argumento que eu não podia contrapor e usado e abusado por dá aquela palha.

Lorde
Enviado por Lorde em 10/01/2013
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