A minha primeira aventura

Tenho quatro anos quando os meus pais resolveram morar na aldeia natal do meu pai, São Miguel do Outeiro. Era uma casa alugada com um grande quintal mesmo de frente para a igreja.

É esta aldeia que considero como «a minha terra». Nela passo a viver a partir de 1954. Tenho já quatros anos feitos e a minha visão do mundo já não se limita às correrias com o arco naquele recanto de terreno na casa dos meus avós. Nem à guerra à sopa de cavalo cansado que volta e meia eu tinha que comer.

São novas pessoas, novos sons, até mais luz (já havia iluminação eléctrica). O toque das trindades, o som das horas que o martelo do relógio dava no sino da torre da igreja, as doze badaladas do meio-dia que o sacristão ou alguém por ele encarregado, fazia diariamente com uma pontualidade fantástica. Sabendo de antemão que dezenas de paroquianos sacavam do seu relógio de bolso, envolto numa pequena bolsa de protecção e confirmavam ao segundo a pontualidade do executante das badaladas.

- Ná! Hoje não foi o Zeca que deu o toque do meio-dia! Está atrasado meio minuto. Estas idas e vindas eram por mim observadas diariamente, com a curiosidade própria das crianças. Um dia o sacristão após ter dado o toque, encosta a porta, porém por descuido fica entreaberta.

Era a minha oportunidade de experimentar dar as badaladas do meio-dia. Lá fui subindo, uma estreita e alta escada de madeira em caracol até aos sinos. Uns monstros! Um com mais de 2 metros de altura, o outro um pouco mais pequeno. Ambos tinham um pedaço de corda preso ao badalo, mesmo a desafiar-me.

O meu coração pulava freneticamente, dividido entre o cansaço e uma sensação esquisita. Hoje dir-se-ia que era adrenalina, embora para mim fosse mais cagaço.

Por cima da minha cabeça aí a uns três metros de altura, via-se o maquinismo do relógio cheio de enormes rodas dentadas que indiferente ao meu ar aparvalhado continuava com o seu barulhento tic tac.

Espreitando pelo sino grande, via o adro da igreja. Do outro lado via a minha casa que vista daquela altura parecia-me muito pequenina. E aqueles pedaços de corda a olharem para mim. Pareciam-me dizer: «Vá lá, dá-nos um esticão ou será que só vieste ver as vistas». Meio a tremer, agarro a corda do sino mais pequeno e dou um puxão envergonhado. O som daí resultante não me pareceu grande coisa, embora muito mais alto do que ouvia lá em baixo. Isso deu-me a coragem que faltava, então com toda a força que os meus quatro anos permitiam, dei um puxão na corda do sino grande que até caí. Agora sim, com os ouvidos a zunir do timbre daquele monstro que fazia mais barulho que uma trovoada, regresso com ar triunfante. Ao descer as escadas, parecia-me que tinha mais degraus e que nunca mais chegava ao fundo.

Faltariam uns cinco degraus para chegar à rua, encontro o meu irmão a tentar subir as escadas de gatas. Com muito custo consegui trazê-lo até à porta.

À nossa espera, estava o padre Luís surpreendido, com os autores da façanha das badaladas. O padre sempre amigo de educar, agarra-me pelo pescoço e dá-me uma palmada no rabo. Assim que me sinto livre das manápulas do padre corro e a uma distância segura, viro-me para trás dizendo em ar de desafio. – Não me doeu nada! “Nana, nana, nana.”

Ora este meu feitiozinho, não augurava nada de bom como mais tarde se veria.

Extracto da minha história de vida

(Factos reais)

Lorde
Enviado por Lorde em 07/01/2013
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