Zanga nos meus órgãos

Há coisas que não funcionam bem em mim.

Se ao escrever sou capaz de enganar quem lê as minhas histórias, deixando as pessoas na dúvida quanto às minhas habilitações. Já quando abro o bico, não me dão mais do que uma 3ª classe.

Mas é mesmo assim - numa conversa com mais requinte, o meu cérebro até busca as palavras menos usuais, para dar uma de pessoa culta e a informação chega à ponta da língua que teimosamente se nega a articula-las, deixando-me a mim sem jeito, eu que os trato aos dois por iguais. E nessa guerra entre os dois, quando o cérebro transmite uma ordem errada, é comum os dentes trinca-la. Ela fica maltratada mas a mim é que me dói. Quando se põem a discutir sou eu que sofro com estas zangas, acabando por ficar com dores de cabeça.

- Ouve cá, ó minha mimada! tu sabes lá o que é a vida, sempre fechadinha aí num ambiente com temperatura constante, quanto eu me estafo a comandar todos os membros deste corpo, onde habitas e que não serves como deves e ainda refilas quando por acidente um dente te trinca. - Desanca o cérebro.

- Olha quem fala! O senhor todo-poderoso, com a mania que tudo pode. Olha meu caro, tu a mim não me enganas. O que era de ti se eu me recusasse a alimentar-te, sempre queria ver se tinhas tanta cagança.

- Estás a ver? Lá está o nosso corpo com dores de cabeça. Sua língua mal-educada.

- Seu presunçoso.

É assim! Uma anarquia completa, a destes órgãos do meu corpo. Chateia-me que ninguém me obedeça. Desde pequenino que passava o tempo a medir-me, pois queria ser muito alto. Mas não, mais uma vez ninguém fez nada de jeito. Em vez de crescer, alarguei. Criando-me problemas com os trapinhos que nos enfeitam, aquecem ou nos tapam as vergonhas. Pois para tapar toda esta superfície, tenho que comprar roupas para um metro e noventa, com os inerentes gastos supérfluos de tecido a mais no comprimento. Que mais não servem do que enchumaçar o interior das calças. Obrigando-me a procurar outro buraco no cinto e a ter cuidado quando me baixo, para não as descoser. Para além de tudo isto, ainda tenho que aguentar com as lamúrias dos meus joelhos, sempre a protestarem que não, que assim não dá, que se ou eu faço dieta ou eles recusam a andar, nem que para isso me magoem. Por vezes, quando os massajo para os animar, da pena de trabalhos forçados a que foram condenados. Prometo-lhes que qualquer dia faço dieta. Digo baixinho, para o estômago não ouvir, pois da última vez que o disse em voz alta, aquele maldisposto começou a resmungar.

- Qual é a tua ó meu? Quer se dizer, para paparicares essas duas dobradiças que se dão pelo nome de joelhos, castigas-me a mim com privações. Olha meu menino! Põe-te fino, porque senão, espeto-te com uma dose de azia que até vais de lado.

Em minha defesa veio a bexiga.

- Não lhe ligues a esse maldisposto que não é capaz de fazer um sacrifício em prol de todos nós.

- Ai, eu não sou capaz de fazer sacrifícios? Quando o patrão manda cá para baixo comida requentada e mal feita, temperada com bebidas de quinta categoria, como eu não passasse de uma montureira, isso não é sacrifício? Então o que é sacrifício?..Meu saco de líquidos mal cheiroso

- Mal cheiroso és tu!!! Ainda há dias quando o patrão quis beijar a vizinha do lado, tu mandaste um bafo a bode podre que a pobre nunca mais apareceu, a pedir uma xícara de açúcar.

- Olhem-me para esta? Armada em boa? Ó sua saca incontinente! Tu esqueces-te das vezes que o fazes levantar de noite, para despejar esse liquido pútrido… sua nojenta.

Vou parar por aqui a discussão de estes dois, pois para exemplo já chega. Agora que tenho razão para me lamentar, lá isso tenho. Até o meu cérebro que deixa escrever tudo isto, sabendo eu de antemão, que é o de impor-se como chefe. Ainda a dias, deu umas ordens descoordenadas às minhas pernas, que as pobres tropeçaram uma na outra, fazendo que eu desse com as fuças no chão.

Mas qualquer dia acabo com isto. Ai acabo, acabo. Deito-me, não me mexo, não como, não bebo, não falo e não penso que é só para eles me darem o valor que mereço.

Ó seu grande nabo! Então tu não vez que assim morremos todos, inclusive tu.

Ó meu querido cérebro, não tinha pensado nisso!.. Perdoem-me as loucuras que faço e, obrigado a todos, por me manterem vivo e com o espírito para escrever estas brincadeiras.

Lorde
Enviado por Lorde em 06/01/2013
Reeditado em 06/01/2013
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