Buquê
Nunca me imaginei numa situação dessa.
Eu, pacientemente, contando as horas a espera de sua chegada.
Tudo sempre aconteceu tão diferente.
Todas as outras vezes o mundo girava em torno das situações que antecediam à sua vinda.
A iminência da chegada era sinônimo de interrupção.
Agora eu, e ele, ansiosos esperamos até o momento onde ela adentrará este recinto santo.
A vida de todos aqui está em pause, a espera da protagonista da história.
E eu, querendo ou não, sou a antagonista, mas ninguém deve saber.
Antes eu era a dublê. Atuava apenas nas cenas de ação intensa.
Pura excitação.
O telespectador nem se dava conta de que estive ali.
Mas aqueles instantes antes de passar a bola à atriz principal eram minha razão de viver.
E, daqui a pouco, quando ela se encaminhar ao altar, o play será apertado.
Todos poderão agir.
Menos eu.
O stop simboliza melhor minha situação. Devo recomeçar.
Dentre instantes... ou melhor, agora dá-se início o processo de pacificação.
O branco que ela veste sinaliza a paz.
Nada de guerra.
Nada de competição.
A paz a de reinar.
Agora sem concorrência.
No seu caminhar, no seu sorriso, há serenidade.
Vejo aquele ponto branco lá atrás engrandecer cada vez mais aos olhos dele.
Ela se aproxima ao som de trombetas.
Americanos desfilando em Tóquio.
Uma vez ouvi dizer que a maior crueldade contra um povo era fazê-lo perceber sua inferioridade enquanto o dominador exibia seu poderio pelas suas ruas em meio à sua rendição. Fazendo-o admirar contra a sua vontade a superioridade do vencedor.
Nesta guerra, fui vencida.
Só me resta a contemplação.
Sou mera telespectadora naquela encenação que se inicia.
Todo aquele sermão inútil.
O futuro da relação não depende em nada do que se escuta aqui.
Mas o Reverendo Padre insiste que sim.
E exige sins. Not sins.
Sim.
Sim.
Simbolizando o meu fim. Estou fora.
E o teatro continua.
Agitando a plateia do início ao fim.
Sucesso de crítica.
Em meio a sorrisos e lágrimas emocionadas estou eu, enfadada.
Olho pra frente e tento manter o silêncio em minha mente.
Tento me acostumar com essa postura.
O padre já fez aquela pergunta aos que acompanham.
A essa altura apenas queria que alguém levantasse a mão.
Ele, sereno, aguarda o fim do trâmite.
Alguém?
Ela, apreensiva e confiante, a espera do silêncio.
Alguém contra a união desses dois?
Eu, indo na contramão, esperando a quebra do silêncio até que...
Nada acontece.
O padre quebra o silêncio dizendo o “pode beijar a noiva”.
Eu simplesmente tento não olhar para não sentir as apunhaladas.
Isso me faz sofrer mais do que qualquer arma faria.
Não tenho defesa.
Não tenho opção.
A faca tem de cortar.
Corte.
Fim da peça.
O casal sai.
Perdi muito sangue
Tudo roda.
Minhas vistas estão turvas.
Mas entre elas posso vê-los passar.
Ele me olha.
O tempo para.
Milésimos de segundo marcam a duração daquele olhar.
Mas para mim, uma conversa inteira.
Ele diz para eu ficar bem.
Me acalma.
Sara minhas feridas e me dá carinho.
Me sinto melhor. Mais viva.
Nada mudou.
Como sou boba.