A cunha do machado
O velho “João pé-de-tabua”, nativo da Mata Fresca, contava mais de setenta janeiros, era um mestre prático no seu ofício, trabalhador dos que conhecem com exatidão as práticas dos matos. Sabia brocar, arrancar tôco, coivarar, plantar e colher... caçava os bichos da selva com a ajuda do cachorro, tirava mel das abelhas nativas e criava bodes. Possuía uma grande pedra de amolar e sabia melhor que ninguém, preparar com maestria as cunhas e cabos para enxadas, foices e machados. Certo dia, o desajeitado matuto filho do cachaceiro Mané Beiçola, lhe trouxe uma lâmina novinha de machado para ser encabada. Aquilo era uma satisfação para o João. Com cuidado preparou um cabo de boa madeira e disse que não dispunha no momento de material bom para fazer a cunha. O filho do Beiçola, falou que não havia problema, ele mesmo ia improvisar uma. Mas o experiente João ainda o advertiu que não devia colocar qualquer tipo de madeira como calço. O incalto filho do Mané não deu importância ao velho experiente e improvisou uma cunha de talo de carnaúba. Naquela mesma tarde, munido do machado foi cortar uns pedaços de madeira no quintal de casa. As achas iam ser usadas no fogão à lenha. Começou por rachar ao meio uma comprida tora. Com a madeira entre as suas pernas e o cabo do machado seguro pelas duas mãos, ele veio rachando e andando de ré à proporção que ia abrindo o duro madeiro. No esforço, ia suando e acelerando a respiração mas o pior estava por vir. Na sua ingenuidade, o bobo cortador não observou um arame que estava esticado e servia de varal... e lá vinha ele no corte da madeira, andando pra trás. Pra maior azar, ao chegar perto do arame que passava perpendicular à madeira que ele partia em duas, o rapaz parou com os cortes.Depois de breve descanso, resolveu trocar de posição e se virou. Partiu para terminar o corte de abertura. A ponta onde se achava a estaca ainda não partida, coincidia com o arame esticado em cima e era o que faltava pra acontecer o pior. Logo na primeira machadada, a lâmina mal sustentada com a cunha de talo de carnaúba passou por cima do arame, se encontou com este, se desprendeu do cabo e veio na direção do cortador. A parte lateral direita da testa do rapaz recebeu de raspão o peso do ferro multiplicado pela força do impulso. Sem nenhum gemido desmaiou ali mesmo, mas está claro que podia ter tido a cabeça rachada em duas. Felizmente não se finou daquela vez...só que nunca mais foi homem pra pegar em ferramenta de corte, vive prostrado e nem mesmo tem mais juízo para repetir o que ouve.