BODAS
O tempo é de casamento. Não foi só na Inglaterra que aconteceu. Aqui também tivemos o nosso. Claro que não dá para comparar. Não temos a Abadia de Westminster, o Palácio de Buckingham, as carruagens puxadas pelos pomposos cavalos, nem a guarda real, com seus uniformes magníficos. E, muito menos, príncipe.
Durvalina e Genival se conheceram numa roda de samba. Numa daquelas em que os bambas do partido-alto eram encontrados. Entre eles Aniceto do Império, Candeia, Xangô da Mangueira, Geraldo Babão, Clementina de Jesus, e tantos outros.
Ela, diarista de casa de família, morando no Vidigal, era uma cabrocha daquelas que, se Sargenteli ainda vivesse, não teria dúvida em contratá-la para sua “troupe”. Um corpo escultural. Dançava samba como ninguém! Mas, de uma seriedade a toda prova! Com ela não havia aquela história de, olhou, deu uma piscada, já estava nos braços do galanteador! Não! Era preciso ter muitas qualidades para conquistá-la. Vivia sozinha. Apesar de ficar na favela, sua casa, de alvenaria, era um primor de ajeitada. Tudo no seu lugar, a cozinha sempre limpa, equipada com fogão moderno, geladeira “frost free”. A sala, pequena, com sofá de dois lugares, e uma TV de 20 polegadas, tela fina. Assim arrumadinho era seu quarto, com cama de casal, e um guarda-roupa bem organizado. Banheiro impecável. Dava inveja à vizinhança. No trabalho, então, poder-se-ia encontrar alguém igual, o que já era difícil. Melhor jamais. Feliz a dona-de-casa que tivesse Durvalina como sua auxiliar de limpeza. Para completar, em algumas das casas em que trabalhava, era contratada para cozinhar. Excelente, também, no fogão!
Diante de todos esses predicados, sua fama era de uma mulher ideal, e o homem que tivesse a felicidade de conquistá-la como companheira, poderia levantar as mãos para os céus, em agradecimento a Deus.
Genival, por sua vez, não foi à toa que conseguiu Durvalina. Trabalhador, solteiro, morava ele em Ramos, membro da Sociedade Amigos de Ramos, onde exercia o cargo de diretor. Era funcionário da Secretaria de Saúde do Estado, todavia, na área burocrática. Sério, um servidor cumpridor fiel de suas obrigações. Jamais deixava seus deveres para amanhã. Arquivos sempre atualizados. Também era um afro- descendente.
Sua paixão era o samba, e, nos fins de semana, não deixava por menos, ia para o reduto dos sambistas famosos.
Numa dessas ocasiões, conheceu Durvalina. Quando vislumbrou aquela mulata, foi como um raio fulminante. Um clarão turvou sua visão! Fechou os olhos, como se estivesse num sonho, jamais acreditando no que via. Aquele rosto bonito, corpo maravilhoso, lábios carnudos, tudo conjugado com a simpatia da moça, logo se sentiu conquistado.
Durvalina, como era de se esperar, apesar de ter se simpatizado com Genival, não deu qualquer demonstração de interesse. Apenas sorriu. Ela percebera que havia impressionado aquele desconhecido. Trocaram palavras, simples amenidades, não passando disso. Entretanto, mais tarde, já bem descontraída, houve uma abertura, da qual ele se aproveitou, convidando-a para novos encontros.
Assim, pouco a pouco foram se conhecendo. Cada vez mais Genival se sentia atraído por Durvalina. Sua doçura, meiguice, sinceridade, todas essas qualidades, e as provas de excelente dona-de-casa que demonstrava ser, deixavam-no tranquilo, com a certeza de que teria nela, uma grande companheira. Sem falar em seus atrativos como mulher bonita, atraente, que impressionava qualquer cidadão que a visse.
Com Durvalina acontecia a mesma coisa. Via em Genival um homem honesto, trabalhador, sério, fiel cumpridor de seus deveres, demonstrando que haveria de ser um bom marido, e um ótimo pai. E, não deixava de ser um bonito mulato.
Além disso, tinham em comum, algo que adoravam fazer: dançar. O samba estava no sangue deles.
Um dia, dançando na Estudantina, conhecida gafieira carioca, Genival diz ao ouvido de Durvalina:
- Você quer casar comigo? Ela arregalou os olhos, surpresa pelo momento, conquanto já o esperasse.
- Claro meu amor, é a coisa que mais queria ouvir de você! E deu-lhe um sonoro beijo.
Daí em diante, começaram a traçar os preparativos. Durvalina, muito consciente, com os pés no chão, elaborou uma lista bem minuciosa de tudo o que mais precisavam, a fim de concretizar o desejo. Genival, então, confessou a ela já haver todo o necessário. Durante o tempo de namoro, com muita cautela e sem alarde, fora adquirindo móveis, aparelhos domésticos. E a casa onde morava, sendo de sua propriedade, toda reformada, iria ser a residência do casal. Estava totalmente mobiliada.
Marcaram a data: 29 de abril de 2011.
Por coincidência, o mesmo dia do casamento do príncipe William e a plebéia Kate, na Inglaterra. Naquela sexta-feira, Durvalina acordou mais cedo, e assistiu, inteirinho, o casamento real. Ficou mais ansiosa! Tinha plena noção das diferenças entre as duas cerimônias.
Mas, sentiu-se feliz!
Cerimônia simples, na Igreja de Nossa Senhora da Penha, e recepção na quadra da Escola de Samba Estação Primeira da Mangueira. Com direito à exibição da mesma, durante a festa.
Mais ou menos às 22:00h, quando a comemoração estava no auge, Genival lembrou-se de algo muito importante. Imediatamente, largou Durvalina no meio da pista de dança, e do mesmo jeito que estava vestido, saiu em desabalada carreira, rumo à sede da Sociedade Amigos de Ramos.
Lá estavam todos os seus documentos necessários.
Por esquecimento, no corre-corre dos preparativos do casamento, deixara de efetuar a declaração e enviar seu Imposto de Renda, cujo prazo de entrega venceria dali a menos de duas horas!
Foi cumprir seu dever!