Arruda

Arruda é um ateu convicto. Daqueles que batem no peito e gritam para quem quiser ouvir, em alto e bom som:

– Este negócio de Deus não existe. É tudo besteira pra boi dormir! – diz, impávido colosso.

Contudo, Arruda não é um ateu comum. Ele tem algumas características inusitadas para quem bate no peito declarando-se ateu: Arruda é supersticioso. Sim, um supersticioso de carteirinha, com numeração superbaixa. Acredite se quiser.

Um primo meu – metido a intelectual – diz que quem é supersticioso é porque acredita que os objetos inanimados possam ter espíritos. Ora, como alguém que diz não acreditar em Deus e em coisas espirituais pode ter superstição, não é mesmo? Pois digo e repito, juro se for preciso: Arruda é supersticioso.

Passar debaixo de escada?

Nem pensar!

Dá gosto vê-lo correr como um corisco quando vê um gato preto!

Seu apartamento de quarto e sala no Centro da Cidade é todo decorado com enfeites de estátuas de elefantes, sempre posicionados com a tromba erguida e as costas voltadas para a porta da entrada.

Tudo isso tem um objetivo: evitar a falta de dinheiro. É bem verdade que ele vive pedindo dindim emprestado aos mais chegados, mas eu não estou aqui para falar mal de amigo.

E quando sua palma da mão começa a coçar?!

Nossa! Ele fica mais alegre do que pinto no lixo, porque tem a certeza de que ganhará dinheiro inesperadamente! Nunca ganhou, mas sempre acreditou.

Uma vez fomos almoçar e ele deixou cair um pouco de

sal sobre a mesa. Você nem imagina sua cara de desespero. Imediatamente, Arruda começou a jogar o sal derramado pelos dois ombros. Como ele não lembrava se devia jogar pelo ombro esquerdo ou direito, jogou pelos dois, por via das dúvidas.

Quando perguntei o porquê do desespero, Arruda me contou que traz azar deixar o sal cair na mesa e que a pessoa que o derrubou deve jogar um pouco do tempero em um dos lados do ombro. O objetivo é espantar o diabo, que sempre fica à espreita, esperando pacientemente que o homem peque. Uma das jogadas do sal acertaria certamente o olho do Tinhoso, impedindo que o cramulhão viesse buscar sua alma pecadora.

Tenho que confessar que não entendi a lógica supersticiosa de Arruda, mas lógica e superstição são dois conceitos que não combinam, e não estou aqui para entender a mente humana, principalmente a mente humana de alguém como Arruda.

Agora, tenho que confessar: estou preocupado com o meu amigo. Afinal, o ano de 2013 está começando e, sinceramente, não sei como será a vida para Arruda. Veja você: o ano tem final 13, o calendário marca duas sextas-feiras 13 e, ainda por cima, tem o complicado mês de março, que tem os dias 3/3/2013 e 13/3/2013. São muitos números juntos numa cabeça tão supersticiosa.

No Natal, comprei os ingreditens necessários e montei dois kits de sorte. Na caixinha que dei de presente para Arruda, havia 13 objetos que, dizem os entendidos, dão sorte para quem os tem:

um pé de coelho,

um trevo de quatro folhas,

um quilo de sal grosso,

uma ferradura,

uma figa,

um olho de Hórus,

uma estrela de Davi,

13 fitinhas do Senhor do Bonfim devidamente benzidas,

um chaveiro de pimentas,

um pentagrama,

um olho de boi,

um patuá e

uma pedra de jade.

Arruda ficou emocionado com o presente e chorou cântaros de alegria com o que lhe dei.

Ah? Você quer saber o que fiz com o outro kit de boa sorte?

Bem, eu fiquei para mim.

Sabe como é, yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay.

Carla Giffoni
Enviado por Carla Giffoni em 01/01/2013
Reeditado em 24/01/2024
Código do texto: T4062729
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