Memórias Cinzas
Esta é uma história pessoal. Como nunca compartilhei nada do que escreverei aqui, não sei se alguém neste mundo poderá entender as coisas que estou prestes a dizer. Talvez o que em breve descreverei não seja algo normal. Talvez seja, não posso afirmar. Mas admito que encaro tudo com uma estranheza sem tamanho. Não é de hoje que me vejo de uma maneira diferente. Está claro como a água mais límpida das belas nascentes que eu, como humano, sou estranhamente esquisito. Os quesitos podem ser os mais diversos. Tenho certeza que cada um que me conheceu ao longo de minha vida pode enumerar diversas qualidades (ou defeitos) que reiterem o fato de que eu sou bastante diferente. Ou incomum. Enfim, creio que já consegui esclarecer que quero destacar esse ponto principal. Eu não sou normal. Quiçá eu seja, por não conhecer as outras pessoas com tanto afinco quanto me conheço, talvez eu apenas esteja libertando meus demônios e revelando meus pensamentos enquanto o resto das pessoas não faz o mesmo. Dessa forma, por admitir que sou diferente e levantar as questões que me diferenciam, estou provando a minha anormalidade. Se as outras pessoas também são anormais, só elas podem dizer e, talvez por medo, não o digam. Assim sendo, eu não estaria sozinho na qualidade de ‘anormal’. Mas já que encaro os fatos como eles são e não tenho medo ou vergonha de esclarecê-los, vejam a mim, a partir de agora, como o ser mais diferente e esquisito do planeta. Até então.
Irei discorrer sobre lembranças. Apenas isso, por enquanto. Dessa forma não causarei tanto espanto. Apesar de entender que as situações que explicitarei podem, de alguma forma, assustar... Nasci em 1988. Décadas atrás. Décadas demais para se viver, ressalto. Voltando ao assunto, minhas primeiras lembranças são do ano de 1993. Com apenas cinco anos de idade, me recordo de tudo como se tivesse acontecido ontem. Eu aprendi a ler com minha mãe e minha avó, lia gibis e livros didáticos velhos, ansiando por conhecimento. Fazia rabiscos ao redor dos desenhos do livro, tentando copiá-los. Nada de escola, eu tinha cinco anos e aprendia a ler em casa. E a fazer contas também. Belas lembranças, doces recordações... Memórias coloridas. Sim, coloridas. Minha memória tende a colorir lembranças boas que tenho. Sim, 1993 foi um ano de ‘memória colorida’. Isso lhe soa estranho? Espero que sim. Seria triste para mim relatar algo que vejo como estranho mas descobrir que isso, na verdade, é comum. Sigamos adiante.
Em 1994 foi a primeira Copa do Mundo de futebol que assisti. E torci. Lembro-me muito bem que havíamos recém comprado uma TV 14 polegadas da Sharp e estávamos eufóricos pela disputa de melhor seleção do mundo. Assisti a todos os jogos da nossa seleção na casa dos meus avós (onde eu passava 95% do meu tempo, a casa é ao lado da de meus pais). Meu avô e eu vibrávamos com cada jogada de Bebeto, Romário... Aquele chute na trave de Branco contra a Holanda... Defesas inacreditáveis de Taffarel, o pênalti perdido por Baggio... E eu com uma cornetinha amarela e verde. Sim, memórias coloridas. Ótimas memórias. Inesquecíveis.
Em 1996 entrei na escola. Já sabendo ler e escrever, era mais adiantado que os colegas que haviam frequentado a pré-escola. Era o primeiro ano na escola e, por conseguinte, o primeiro ano em que eu me afastava da minha família. Não foi fácil se acostumar, como não é fácil para criança alguma, mas para mim, o fato de que minha ligação com minha família era ainda maior (principalmente com minha avó, a pessoa que me criou, na verdade). Lembro-me muito bem da minha primeira professora, meus primeiros cadernos... As primeiras provas. São memórias coloridas. Mas com alguns tons nublados, muito provavelmente por ter, de alguma forma, me afastado de casa, do meu lar ao qual eu tanto estava acostumado. Mas são pequenos tons de cinza que toda criança deve ter em sua memória (se esta for baseada em cores também).
[Continua - Texto ainda em produção]