A Novena Cheirosa - In Um conto por um conto
Nos idos de antigamente,em épocas natalinas, era costume a reunião de famílias para a realização de novenas em homenagem à Mãe de Deus. Assim era que Vitalino, um senhor idoso; de um robusto forte, feições severas, celibatárias; ungido pelo alter-ego de padre vibrando na alma; sério; compenetrado do seu santo ofício no qual procurava elevar almas aos céus numa verdadeira comunhão com o seu Criador.
Vitalino, já de velho velhamente, era sistemático; metódico, sendo que as orações fluíam de sua boca de costumeira sempre repetidas por força do hábito, sempre decoradas, frias , vazias em que o cérebro se deixava levar pelas mesmas sempre palavras. Fluíam daquela boca o Terço, o Pai Nosso, a Ave Maria e outras orações que tais.
Chegada que fora a época natalina comparecia Vitalino amparado em sua bengala com um livro de rezas várias nas mãos e adentra a primeira
casa da novena. Nesta casa, então, com unção e benção dos santos Anjos de Deus, Vitalino iniciava as orações de vezes tantas repetidas.
Estava Vitalino ao centro da mesa, confortavelmente sentado e, ao redor desta, os fiéis ajoelhados junto à mesa. Vitalino rezava o Pai Nosso, quando, repentemente, adentra em casa um cão que, sem saber
rezar, dirige-se para debaixo da mesa. O cão devia ter comido muito porque exalava gases de um odor forte, lembrando gás metano, vez por outra, ouvia-se um barulhinho acompanhado de um cheiro sujo a mais não poder. Estômagos sensíveis em meio a reza, vezmente, engolia uma vontade grande de nojo ensaiando caretas de vômitos.
Vitalino, também, sentia isso, mas forte, resistente continuava num
esforço sobre-humano, deixando, automaticamente, o cérebro desligado repetindo a ladainha de tantas novecentas rezadas novenas.
As palavras, apenas, fluíam. Vitalino rezava no piloto automático ligado,
todavia impossível não sentir aquele enorme cheiro sujo. Assim prosseguia Vitalino tentando ignorar o cão, mas:
- Pai nosso que estás no céu passa cachorro peidando fedido...
Os presentes de elevados que estavam aos céus despencavam-se rumo a um verdadeiro inferno, parecendo-lhes o próprio Satanás cheirando a enxofre e metano, rindo que rindo num hálito viscoso de
carne podre.
Vitalino forte persistia:
- Ave Maria cheia de graça passa cachorro peidando fedido...
Os fiéis quedaram-se ungidos num mudo sorriso.