Celeste
A visão que ela tinha da vida era insuportável agora que ela descobrirá como viver, ou talvez não. O medo ainda era palpável e maior que ele só a perspectiva de uma vida vazia, em um emprego vazio, com uma família vazia e ela também vazia no centro de tudo... Isso lhe apavorava mais que o próprio medo.
Ventava mais forte, de um jeito que ela nunca sentiu antes e ele agitou seus longos cabelos castanhos fazendo seus joelhos tremerem. Os sons eram mais audíveis, o céu estava mais claro, nessa interminável tarde de domingo.
Mais uma vez a perspectiva do vazio lhe assustou, afinal quantos domingos assim ela teria que viver? Domingos fartos de verão, domingos cálidos de outono, pulsantes de primavera e sobretudo domingos cinzas de inverno? Domingos... Como ela detestava domingos. Era sempre o almoço (quando tinha disposição pra ir a casa da família), eram sempre os cigarros, sempre o faustão, o fantástico, a morbidez e o marasmo típicos de domingos.
Domingo, tem dia realmente mais irritante que o domingo? É o nada... Pra uns é ressaca, pra outros passeios longos e calorentos com a família onde as mulheres pensam no que os marido estão a pensar, no restaurante onde provavelmente eles irão após o passeio, na casa, na segunda... Eles por sua vez com a cabeça no futebol, no churrasco na casa de um amigo que perdeu para estar naquela fria, numa cerveja bem gelada, na mulata de shortinho que passou. E se for passeio com filhos, a coisa degringola...
Depois do almoço (quando em família) as sobremesas,quase sempre pavê e quase sempre um infeliz perguntando : é pra ver ou pra comer?. Ainda tinham as conversas, sobre,vida,namorados,chefes e o escambal. Definitivamente domingo não era o dia dela,a melhor parte do dia era sem dúvida o boa noite final do fantástico.
Desviou o pensamento para o que ia fazer agora e algumas lembranças lhe vieram a tona. Não eram lembranças suficientemente fortes, nem exasperadoras, ela foi tomada de assalto pela lembrança de coisas que não fez, ou das que poderia ter feito e não fez... Isso doeu!!!
Acendeu um cigarro e a cada fumaçada se via refletida em uma vida que não era dela. Absorvida pelo ato de tragar, soltar fumaça e observar os pequeninos rolos de fumaça se desvanecendo, não percebeu o pequeno camundongo passeando timidamente pela sala até ouvir seus pequenos ruídos. Ao menos ela tinha uma vida pela qual lutar, ou talvez não. Nem pensar sobre as coisas ao seu redor ele pensava, ou será que pensava? Sempre fora da opinião que os animais possuíam algum tipo de inteligencia, parecida com a nossa talvez, mas tolhida por uma inocência ferrenha e bendita. Talvez fosse só instinto o que nos diferenciava deles. Mas há sempre alguma a dizer com toda veemência que é a inteligencia. Grande inteligencia... Chegar a níveis estratosféricos e não se dar conta das menores coisas da vida, talvez o mal fosse justamente esse : a "inteligência".
Pensou também nos instintos, afinal somos feitos deles e moldados por eles. Criatura alguma na face da terra é fria o suficiente para se separar dos instintos que a compõe, e que se danassem os cientistas ou cientificistas que tentam provar a todo custo a superioridade do homem sobre a natureza, no fim somos todos animais.
Não pode deixar de pensar também em como seria ser uma criatura sem o peso da humanidade nas costas. Como seria ser um rato,por exemplo? Sem a banalidade do cotidiano, sem a carga de ser "humano", tendo que lutar todos os dias pela sobrevivência tendo ou não consciência disso.E pra ela ainda havia uma consciência nisso.
Sentiu-se como uma louca, afinal estava a pensar na consciência de um rato,mas não pode deixar de divagar mais um vez em como seria ser "louca". E afinal o que é a loucura? Pode parecer egoismo mas pra ela, loucura era não viver o peso da realidade. A normalidade também a assombrava e era sempre assim. Pra ela, louca, era estar livre, sem conversas odiáveis entre colegas de trabalho, em relacionamentos furtivos de uma noite, ou ainda sem o faustão gritando "ô louco meu" dentro de uma apartamento fechado.
Apagou o cigarro, já em brasas e foi até a janela... Um pássaro cantava com toda a força de sua respiração. Era impressionante como ela sempre se absorvia por animais, nem era tanto por eles, e mais pela sua liberdade e talvez pela sua falta de consciência.
O pássaro, pousado num galho de uma árvore tão verde que doía nos olhos, cantava e cantava exaustivamente. Um canto meio triste, meio alegre, era um canto indefinido na verdade, como ela naquela tarde. E era um canto perdido na imensidão de prédios, carros, e pessoas que pipocavam lá em baixo. Ela era quase esse canto e ela quase penetra nele, quando o pássaro ergue voo...
Acompanhando a rajada do pássaro, ela viu o céu, há tempos que ela não via, aquela enorme massa azul se estendo firme, forte e ao mesmo tempo maleável e instável. Era dessa imensidão de mundo que sentia falta... Não tinha necessidade nem de viajar, sabia que o céu seria o mesmo aqui ou em Paris, mas tinha necessidade de estender, se desdobrar, se colorir e as a vezes se zangar, exatamente como o céu. E esse céu a despertou, nunca ele fora tao azul a sua frente, nunca fora tão... Celeste essa era a palavra!
Ainda sim, subiu, a pés descalços no parapeito da janela, pronta pra desaparecer da realidade e por um único instante ser engolfada pela imensidão azul que carregava seu nome... Celeste!
Parada ali, pronta por mergulho na piscina sem fundo do céu azul celeste, sentiu de novo o vento, o verde das folhas e a imensidão do céu. Ainda pensou em buscar imortalidade na própria vida e descer pra fazer valer a pena tudo que lhe apetecia, mas, ainda sim queria ir com as folhas galopando... Escolheu o caminho mais fácil... e se jogou no azul celeste do céu!