O encontro
Esse causo aconteceu quando a Dona Maria reencontrou uma pessoa há muito tempo esquecida. No início ficou contente que essa pessoa a reconheceu depois de quase quarenta anos, mas depois foi entristecendo de tal forma que a despedida foi um alívio.
A Dona Maria era uma mulher muito feliz e extrovertida, e quando retornou para casa, depois daquele fatídico encontro improvável, tudo mudou; inclusive a forma leve que ela via e vivia a vida transformou-se de tal forma que seu sorriso raramente era visto.
Não podia simplesmente culpar o ocorrido pelo que sentia dentro de sua alma, lá no fundo do peito ela achava que era uma confusão passageira e que essa tristeza era a soma de todos os dias de sua vida. Passaria, decerto.
Porém, não passou.
Daquela infelicidade que brotou durante os cinco minutos de conversa – o que pareceu uma eternidade – veio a incapacidade de levar a vida adiante. Nem o marido que tanto amava e os filhos queridos conseguiam transpor a tristeza com a vivacidade familiar.
Dona Maria, taciturna e paradoxalmente leve, pediu ao Padre Dimas que a ouvisse em confissão, para ver se alentava o coração e voltava a ser como era antes, mas o Padre Dimas nada podia fazer diante do desabafo e sugeriu que esquecesse de uma vez por todas do encontro e daquela pessoa. E isso só poderia acontecer por vontade própria, por luta interior.
Aconteceu que a Dona Maria acabou gostando de não ter que lutar contra nada e decidiu deixar que as águas rolassem, assim como suas lágrimas, calmamente e sem desejos. Engolia com sofreguidão cada uma que escorria pela face indo cair nos cantos de sua boca.
Pensava nesses momentos que aqueles cinco minutos poderiam ter sido de beijos, aqueles beijos roubados e escondidos que tinham o sabor da juventude e da maciez carnuda, deixados para trás sem eira nem beira. Passava em seguida a mão pela boca, para afugentar tais pensamentos e limpar possíveis resquícios do que sobrou daqueles beijos. Sentia ainda a urgência dos cinco minutos. Foram mesmo cinco minutos?
Deitou em sua cama com o sol a pino, sob os olhares atentos da família. Trancou a porta. Passou a mão direita pelo pescoço e tirou uma corrente de ouro, colocando sobre a mesinha. Refez o ritual e tirou os brincos, colocando-os ao lado do colar. Fechou os olhos.
O sutiã apertava e o ar estava lhe faltando. Resolveu ficar nua.
Tirou o esmalte vermelho das unhas, tomou um banho e tornou a deitar. Agora sim. Estava nua de fato, nua na carne e nua na alma.
No quarto de um casamento de quase 45 anos, Dona Maria dormiu.
Sonhou com o encontro que nunca deveria ter acontecido, sonhou com as roupas espalhadas no chão, suas e dele. Olhou atentamente e não reconheceu as vestes do marido. Eram do outro. Aquele do encontro, aquele dos beijos. Aquele que veio com o verão e se foi como o outono. Aquele que impossivelmente seria o pai do seu primeiro filho. E sonhou também com um rompimento que fazia doer-lhe o coração. Rompeu com a vida.
Acordou com as batidas insistentes na porta e o marido, visivelmente preocupado, estava chorando. Vestiu-se sem pressa, destrancou a porta e deixou o amor entrar.