O CAVALEIRO DAS TREVAS

Por:josafá bonfim

Determinada época, logo nas primeiras décadas do século passado, a população de uma pequena e recatada cidade do Nordeste, vivia intrigada com uma estranha aparição em noites de lua cheia, sobretudo, os notívagos, que costumavam dar conta de tudo que se passava, quando as portas das casas se fechavam e a cidade dormia.

Poucas pessoas tiveram o sacrilégio de avistar-se com o fantasmagórico ser madrugador, mas, os que viveram a experiência, achavam melhor nem tratar sobre o assunto. A história horripilante corria como fumaça pelos serões da cidade.

Um comerciante local de descendência árabe, conhecido pelo seu costume de jogar carteado até altas horas da madrugada, costumava dar o seu testemunho nas fagueiras rodadas do vicio, dizendo ter se deparado com a criatura, no percurso de sua casa para a jogatina, numa daquelas noites sombrias. Com fama de fanfarrão, poucos na verdade acreditavam em seu relato.

Uma certa e destemida senhora dona de casa, de coragem a toda prova, impulsionada pela curiosidade e useira em aguardar o marido acordada, que também era adepto do carteado, onde perdia horas a fio na distração; arquitetou o plano de montar guarda solitária e à espreita na sua própria casa por seguidas noites. E eis, que pelo buraco da fechadura da porta, terminou por presenciar numa dessas aventuras, a passagem do fantasma do animal que a deixou no maior pavor, estática e sem animo para melhor acompanhar o trajeto do ser misterioso, pela rua em que morava.

Contudo o episódio mais marcante sobre o enigma, ocorreu quando um certo e desconhecido circo apareceu na cidade para cumprir temporada de exibições:

***

Ao cair da noite, meio que de surpresa, a companhia circense chega ao vilarejo. Seus integrantes sem perda de tempo, antes de descansarem da viagem, assim que os lampiões da iluminação publica foram acesos, iniciaram os trabalhos rotineiros, para a instalação da estrutura, com vistas à permanência na localidade e exibição do espetáculo nos dias vindouros.

Ficou designada para ser instalada a estrutura do circo, uma área de terreno livre, localizada na frente do antigo, mal preservado e único cemitério da pequena cidade. A escolha daquele local de aparência estranha, fora em razão, de em época invernosa a municipalidade não dispor de um outro melhor adequado.

Começa o desmonte da incomoda carga de equipamentos

envelhecidos pelo uso, sob o comandado de um velho ágil, que parecia o líder da turma: era pardacento de cabelos grisalhos e escorridos. Estatura avantajada, olhos azuis com uma marca de cicatriz acima da pálpebra esquerda, que enrugava o semblante, ao dirigir seu olhar soturno a alguém.

Pela alta madrugada no silêncio da noite fria, ouvia-se apenas o tilintar das ferramentas e o leve barulho do vento sobre a folhagem dos arbustos que ornamentavam o acesso principal do cemitério. Vez e outra sobressaia a voz cavernosa do resoluto comandante da operação, instigando os serviçais na montagem da imensa barraca.

Quando nem bem conseguem distender a via mestre da cobertura lonar, ouviu-se de súbito, o ranger do desgastado portão do cemitério, como a repentino se abrir, concomitante a um tropel de cascos de animal, seguido de um forte relincho que parecia eclodir no chão, abaixo dos pés, rompendo o silencio das altas horas, arrepiando os poros e baratinando a todos que ali se encontravam, até então, absortos em seus afazeres.

De pronto, como se num gesto sincronizado, todos voltaram os olhares para um único itinerário, quando pasmos viram a figura de um imenso cavalo branco saindo pelo portão de entrada do campo santo, rumando lentamente para o leito da rua de terra que passava à frente.

O enigmático cavalo, postava-se composto de arreios e vários apetrechos de metal, que reluziam ao clarão da lua. Sobre a sela posava estática uma criatura de porte descomunal, trajando calça e camisa de mangas longas, na cor escura e um chapéu de abas largas cobrindo-lhe parcialmente o rosto, deixando à mostra apenas a sombra do queixo moldurado por um farto bigode.

Para maior perplexidade, o cavaleiro postava-se sentado sobre o dorso do animal, mas na posição inversa, ou seja, com as costas viradas para o pescoço da montaria sinistra.

Mal esperaram a marmota desaparecer na escuridão, para, como num passe de mágica, desmontar a estrutura, que malogrado armara e em sobressaltos zarparam o mais rápido possivel do campo assombroso. Às pressas e às escuras deixaram o acampamento saido errantes. Escafederam, não dando qualquer pista nem mais indícios que comprovassem sua passagem relâmpago por aquelas cercanias.

Chegou-se a questionar por longo tempo na cidade: quais na verdade teriam sido os fantasmas?. O animal e seu cavaleiro, ou o circo e sua trupe.

Josafá Bonfim – São Luís/MA, 24 de março de 2011

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Enviado por josafá bonfim em 21/12/2012
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