Caixa de Gepeto ano 2 nº09 Dezembro de 2012

Caixa de Gepeto

ano 2 nº09 Dezembro de 2012

Editorial

Começo esse editorial com uma pergunta que me faço: Será que é possível uma obra literária pura? Uma obra que esteja fora do seu tempo e das reflexões do tempo do autor? Acabo de receber um email sobre um estudo literário afirmando que Eça de Queirós em seu livro O Primo Basílio teria sido influenciado por um autor estrangeiro

que tivera contato.

Isso não é pecado nenhum. Podemos pensar que Descartes foi

um filósofo fora do tempo, que iniciou uma nova etapa na

humanidade com sua filosofia, porém sua reflexão também tem

grande influência do filósofo franciscano Guilherme de Ockam.

E hoje a grande tentação é querer vender a nossa escrita com

modelos consagrados, que na verdade são modelos para o consumo, e

acabamos esquecendo a nossa historicidade. Como escritor novo, a

nossa tendência é escrever como o autor que admiramos, ou como no

teatro você tenta imitar o autor que tanto gosta. Temos então o

problema da historicidade pessoal.

Eu não posso ser apenas mais um que imita tal pessoa, que fala

como tal autor. Eu sou o fruto do meu relacionamento comigo e com o

Outro. Estamos culturalmente inseridos em uma sociedade, e parece

difícil sair do ciclo vicioso do pensamento igual a todos.

Com certeza não existe uma obra pura, fora do tempo, mas o

que aqui quero refletir é o tamanho da ousadia que tentamos fazer

uma caminhada literária com identidade própria. E influencia não é o

mesmo que imitar. Eu posso ser influenciado, mas sem perder minha

identidade, enquanto que imitação é uma cópia.

A Caixa de Gepeto não tem a intenção de ser uma obra pura

literária. Basta lermos com atenção os nossos gepetianos e iremos

perceber o quanto cada um se deixa levar pelo autor que mais gosta.

Flávio

Texto :Amor

Sai pelo mundo.

Pensando em amor.

Amar para quê?

Para poder conhecer junto sobre o bem querer?

Um dia eu quis.

Em outro tive.

Amar por quê?

Para viver a beleza que eu mereci?

Estive tão perto.

E hoje alcancei.

Amar o quê?

O sonho real de cada amanhecer?

Como o amor surgiu?

Essa pergunta só tem uma resposta: É coisa de Deus.

E Deus responde a tudo.

Ele sabe de todas as coisas, porque todo amor que existe no mundo,

apareceu a partir do próprio amor.

Ewelyn Gomes

Texto: Tag e Toc

Leu uma coisa na internet que o deixou preocupado. Verruga é algo contagioso (Se você machucá-las e pô-las em contato com alguma outra coisa, o sangue pode infectar). Tem algumas nas mãos e no rosto... Preocupação... Desespero... Está doente...

Pesquisa na internet... Verrugas são tumores benignos inofensivos ao portador. É causada por um vírus, o HPV, que é sexualmente transmissível e responsável pelo câncer do colo do útero. “Meu Deus do Céu – pensa ele – Isso significa que sou propenso a ter câncer? Isso significa que vou morrer logo”.

Logo vem uma imagem a sua cabeça. Num futuro incerto, ele com o corpo todo coberto por verrugas, morrendo numa cama, abandonado. “Meu Deus, será que eu tenho alguma DST? Mas como se sou virgem?” Ele, mesmo sem ter machucado as lesões verrugosas, cobre todas elas com esparadrapos e band aid, faz simpatias e não

adianta... As desgraçadas não caem... Faz uma pequena cirurgia e tira algumas... Mas tem medo que elas voltem... Coloca ácido em outras que caem... Mas teme que elas voltem... E se voltarem? Significa que nunca se livrará delas e deixará que elas tomem seu corpo? Ele analisa seu corpo diariamente, milímetro por milímetro, para ver se tem

algo errado, uma mancha, um corte, algo que possa lhe matar.

Procura encontrar defeitos e doenças. Uma dor de estômago pode ser um verme que se alojou e vai consumi-lo todo por dentro. Chega até a pensar que o sangue que corre em suas veias é venenoso. Isso o leva ao choro, ao colapso... Tem medo, medo de morrer, medo de ficar só, medo de não ser amado... Fica pensando apenas nisso, sua mente não consegue desligar disso, pensa na morte... Na morte e no futuro...

Esse texto pode parecer estranho. Você já ouviu falar de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) e TAG (Transtorno da Ansiedade Generalizada)? São transtornos causados pelo excesso de ansiedade no psicológico humano. Para quem ouve os sintomas, pode parecer um absurdo, uma coisa ridícula ou até estranha... Algo complicado e difícil de entender... Mas para quem viveu, vive ou se trata deste problema, isso é o maior inferno pelo qual pode se passar... Pensamentos obsessivos, que não saem de sua cabeça, por mais que você procure tirá-los ou pensar em outras coisas, que grudam no seu cérebro e parece o Windows instalando novas configurações, nunca andam e ficam ali, parados, parasitando... Pensamentos que te levam a loucura e

a exaustão, que te fazem ter comportamentos obsessivos e estranhos, como tomar banhos várias vezes ao dia ou procurar (como no caso acima citado) não tocar com a mão em nada (impossível né?) com medo de se contaminar mais ainda ou contaminar aos outros... Só quem passou ou passa por isso entende, e sabe a batalha diária que é.

Estes transtornos têm tratamentos à base de medicamentos, porém os medicamentos ajudam somente com a força de vontade da pessoa em se ajudar... Mas como? Como você vai se ajudar a não pensar em coisas “ruins” se parece que há somente isso na sua cabeça... Complicado né?

João Micles

Texto: O Filho de Deus se fez carne

O rei dos anjos repousa numa manjedoura. Ele que regia e rege o céu e a terra, Ele que disse e tudo foi feito... tão grande e elevado Senhor,

Vindo a um seio virginal, quis aparecer no mundo desprezado, indigente e pobre...

(Santa Clara)

Numa noite em que todas as pessoas estavam acomodadas em seus lares, um casal estava procurando um lugar, muito mais do que para dormir; eles queriam ter o seu filho. Vieram de longe, caminhando sob o sol quente daquela época. E esse filho nasceu em meio aos gemidos dos bois e cabras, no feno do cavalo ele foi colocado. E isso é uma boa-notícia, uma grande alegria: Deus fez carne, Ele assumiu a condição da

humanidade, se fez um de nós.

Eis o grande mistério desse Deus que está envolto com fraldas, que chora e quer mamar. Um recém nascido é a nossa Salvação. “que espetáculo para o céu ver o Verbo divino feito menino e sugando o leite duma jovem virgem, sua criatura!”

Na tríade da espiritualidade franciscana temos: a Encarnação, a Eucaristia e a Cruz. O Deus que nasce pobre é o mesmo Deus que caminha conosco e morre pobre.

Portanto, existe uma íntima relação da Encarnação e a Cruz; basta lembrarmos que a mesma madeira que é feita o presépio também é a madeira da cruz. A Cruz não nos santifica se destrói o sentimento humano. Se não temos sentimentos, não somos humanos e se não somos humanos não entenderemos o mistério da Encarnação.

Hoje percebemos tantas pessoas querendo ser como anjos, não sentir dor, saudade, amor. Querem ser como anjos. Se nossas emoções deixam de existir, nossa humanidade também se extinguirá. Por isso, que o primeiros cristãos ao lerem o relato da passagem do nascimento tinham certeza da salvação, pois viam na manjedoura o menino ensanguentado que era o Messias.

A Encarnação que tanto damos graças é um grande gesto de amor. Fora do amor não há salvação. E percebemos diante do presépio o mistério de uma inocência e de uma identidade perfeitamente escondida em Deus. Não podemos distanciar os gestos de Jesus com o seu nascimento.

Esse Jesus de Nazaré sentiu a opressão das forças de ocupação de seu país, que conheceu a fome, a sede, a saudade, as lágrimas pela morte do amigo, a alegria da amizade, a tristeza, o temor, as tentações, e o pavor da morte e que passou pela noite escura do abandono de Deus é que se fez homem, que nos resgatou e nos faz perceber que tudo que vivemos é de nossa identidade.

Quando professamos, diante do presépio, o Verbo se fez carne, cremos: o homem chegou em Deus porque Deus chegou ao homem. E Deus chegou ao homem porque havia [...] uma abertura infinita nele. Ele era um vazio à espera de uma plenitude. Eis que com a encarnação de Deus abertura se plenificou e o vazio se saciou.

E como é bom dizer: e o Verbo se fez carne e habitou entre nós.

Flávio

“Não és tu que te abaixas, mas nós

que somos elevados a ti”

(Santo Agostinho).

Ao meditarmos os cânticos que Lucas inseriu no seu evangelho,

contemplamos o mistério do natal. O cântico de Maria, o Magnificat, canta o evento da vinda do Messias, do ponto de vista da mãe, como comprimento das promessas e início de um mundo novo, o cântico dos anjos, o Glória, permite lançar uma olhar no significado e do motivo deste evento; responde à pergunta: Por que Deus se fez homem?; já o cântico de Simeão, o Nunc Dimittis, contempla agora o próprio Salvador; põe no centro de atenção não o fato que nasceu nem mesmo o motivo pelo qual nasceu, mas a pessoa que nasceu.

Estes hinos dos evangelhos da infância tem a função de explicar

espiritualmente o que acontece, isto é, ressaltar, em palavras, o sentido do acontecimento, conferindo-lhe a forma de uma profissão de fé e de louvor.

Indicam o significado escondido do evento que deve ser trazido à luz. Afinal de contas eles inserem a liturgia na história. “A liturgia cristã tem os seus primórdios nos hinos da história da infância” disse certa vez o teólogo Schürmann. Nós temos nestes cânticos, em outras palavras, um embrião da liturgia da natalina. Eles realizam o elemento essencial da liturgia que é ser celebração festiva e segura do acontecimento da salvação. A história – explica Santo Agostinho – “indica-nos o que aconteceu e como aconteceu; a liturgia, por sua vez, faz com que os acontecimentos do passado não sejam “fatos passados”; isto é, transcorridos para sempre, acabados, por isso não os realiza de

novo, mas celebra-os” (Sermão 220).

Nos evangelhos da infância existem também uma narrativa

“histórica” de fatos acontecidos de uma vez para sempre e que não se

repetirão jamais. Existe uma celebração hínica, graças à qual aqueles

acontecimentos serão celebrados pela Igreja cada ano na liturgia do Natal e a cada dia na liturgia da Missa e na liturgia das Horas assim que podemos

O mistério do natal: o nu de Deus verdadeiramente dizer junto com a Igreja: Hoje Cristo nasceu, Hoje na terra cantam os anjos... Graças à liturgia e à Tradição viva da Igreja, não devemos dizer, tristemente, que dois mil anos nos separam dos acontecimentos da salvação, mas que dois mil anos nos unem a eles.

Na sua brevidade e simplicidade, o cântico dos anjos “Glória a Deus

no alto céus e paz na terra aos homens que ele ama” nos permite dar uma resposta, fundamentada na Palavra de Deus, à antiga questão do porquê Deus se fez homem: Cur Deus homo? A esta pergunta foram dadas, ao longo dos séculos cristãos, duas respostas fundamentais: uma que põe em primeiro plano a salvação do homem e uma outra que coloca em relevo a glória de Deus; uma que acentua – para exprimir-nos com as palavras do nosso cântico- o “paz aos homens” e a outra o “ glória de Deus”. A primeira a ser formulada foi a resposta que acentua a salvação: “Para a nós homens e para a nossa salvação

desceu do céu, se encarnou por obra do Espírito Santo em Maria e se fez homem” diz o símbolo da fé. Esta resposta essencial assumiu várias colorações, segundo os ambientes e as necessidades criadas pelas heresias. Na época em que a fé estava empenhada em defender a realidade da humanidade do Salvador contra os gnósticos, se insistiu no princípio da salvação pela assunção: Deus salva o homem assumindo-o em si, na sua pessoa. Salva o corpo, assumindo um corpo; salva a alma, assumindo um alma: salva a vontade e a liberdade,

assumindo uma vontade e uma liberdade humanas. “Aquilo que não é

assumido – diziam os Padres desse período –não é curado” (S. Gregório

Nazianzeno, Ep. 101; PG 37,181). Uma outra articulação da resposta que faz suporte à salvação é aquela que fala de divinização ou troca: Deus se fez homem para divinizar o homem; assume a nossa humanidade, para dar-nos, em troca, a sua divindade. Assim se exprimiam Irineu, Atanásio, Gregório Nazianzeno, Máximo o Confessor, e tantos outros.

Mas até certo ponto do desenvolvimento da fé, na Idade Média, fez

uma outra resposta ao “Cur Deus homo”, que desloca a acentuação, do

homem e do seu pecado, para Deus e sua glória. Santo Anselmo com sua teoria da satisfação, caminha sobre esta nova via: ele na verdade parte da idéia da honra de Deus, ofendido pelo pecado, que deve se “satisfazer”

graças à encarnação do Verbo. Ele escreve um tratado com o título “Cur Deus homo?” e diz: “A restauração da natureza humana não podia ter acontecido, se o homem não tivesse pago a Deus aquilo lhe devia pelo pecado. Mas o débito era tão grande que para salda-lo precisava que tal homem fosse Deus. Portanto, era necessário que Deus assumisse o homem na unidade da pessoa para fazer com que

aquele que devia pagar e não podia segundo a sua natureza, fosse pessoalmente idêntico àquele que podia” (Sto. Anselmo, Cur Deus homo?, II, 18). Alguns teólogos modernos, como Frei Raniero Cantalamessa, OFM Cap, pregador

da Casa Pontífica, diz que a situação era esta: “por justiça o homem deveria ter assumido o débito e o obtido a vitória, mas era servo daquele que deveria vencer na guerra; Deus, ao contrário, que podia vencer, não era devedor de nada a ninguém.

Um portanto, devia alcançar a vitória sobre Satanás, mas só o outro podia. Ora, eis o prodígio da sabedoria divina, que se realiza na encaranção: os dois – aquele que devia combater e aquele que podia vencer – encontram-se unidos na mesma pessoa, em

Cristo que é Deus e homem, e dele brota a salvação”.

A encarnação foi devia ao pecado humano. Sem o pecado não haveria

necessidade de redenção e, portanto, seria inútil a encarnação. Mas o pecado ofendeu a honra divina, que só poderia ser reparada por alguém divino assumindo o lugar humano, salvando, assim, a criação, o humano, e também a justiça e a devida honra a Deus. Tudo isso tem um contexto feudal e humano de justiça como saldar dívida inter pares: só alguém da mesma altura pode salvar a honra.

Por seu turno, Duns Scoto, filósofo e teólogo franciscano, dá um passo decisivo, desligando a encarnação da tal ligação essencial com o pecado do homem e assinalando-lhe, como motivo primeiro, a glória de

Deus. Ele, mostrou como a pergunta estava malfeita, pois não deveria

perguntar: “se o ser humano não tivesse pecado, Deus se encarnaria?” que torna a resposta “pecadocrentrica”. A pergunta correta tem de ser, lógica e “teocentrica”, como procedência divina, assumindo o ponto de vista de Deus: que significa para Deus a encarnação do Filho?A resposta é ampla, começa na criação e vai até a glorificação, significando que o Filho de Deus é quem dá plena glória, e seus desígnios, sempre são maiores do que o pecado humano.

Nessa glória inderrotável, a criação ganha sua própria glória.

Somente dentro do horizonte da glorificação se entende corretamente a

redenção do pecado e da morte: para que a glória seja real, plena, é preciso “também” a redenção do que se extraviou, do pecado, da lei e da morte.

Porém mesmo sem pecado e até mesmo sem morte a encarnação não só é desejável e possível, mas sempre obra da criação e da glorificação. É para maior glória de Deus, glorificação na criação, é para o Reino de Deus que a encarnação é o grande designo do amor criador de Deus.

É significativo que São Francisco perceba no Natal um sentimento

tão divino que se tornou humano e tão humano que se tornou divino: o

Amor. Para ele, o Natal devia ser celebrado com mais solenidade do que

as outras festas, porque nas outras solenidades, embora “o Senhor tenha operado a nossa salvação, no dia em que Ele nasceu tivemos a certeza de que íamos ser salvos” (Legenda Perusina,110).

Deus usando fraldas e rindo, sentindo o gosto do leite da Mãe e mais

aquele monte de coisas que a criança gosta de fazer nas calças. Esse é o nosso Deus, Nosso Senhor, Pequeno e frágil, mas portador da maior força que existe... o Amor!

Feliz Natal, que a alegria do Deus-menino invada seu coração e

brinque contigo!

Ramires