PÁSSARO CATIVO
O relógio ainda não marcava seis da manhã e lá estava Adriano, de esquina em esquina, de rua em rua a procura de Alberto, ou simplesmente Beto, seu irmão. A rotina acontece desde que as drogas passaram a fazer parte da família, em especial da vida de Beto, que num curto espaço de tempo foi de usuário a viciado; logo depois a ladrão e finalmente a alguém que não podia mais conviver na região onde morava, já que os furtos e brigas determinaram a “ordem” do “chefe” da comunidade para que o jovem “vazasse” da área. Por isso, Adriano quase que todos os dias, procurava pelo irmão pelas ruas, guetos e concentrações de viciados. As vezes encontrava, outras não, mas ainda assim persistia na rotina, principalmente para trazer noticias para velha mãe, que sempre chorava a falta do filho caçula.
Naquela manhã, depois de algum tempo, encontrou Beto dormindo sob uma marquise. Ao ser acordado, o jovem sorriu, recebeu o farnel com alguns alimentos, olhou para o irmão e disse: “Obrigado por me amar”. A frase, algo diferente dos outros encontros, surpreendeu Adriano que retribuiu o gesto e pela primeira vez, arriscou uma pergunta: “Não quer largar essa vida e voltar?”; Beto silenciou por um tempo; olhou com carinho e respondeu: “Você sempre veio, mas nunca me fez perguntas. Por isso vou te responder que... Não! Sou uma vergonha pra você, pra mamãe... Não quero mais ser. Me deixa por aqui. Mas espera um pouco que fiz uma coisa que fiz pra te dar”; levantou, procurou no meio das trouxas até que encontrou: Uma folha de papel com um desenho. Entregou ao irmão. Adriano agradeceu, abriu a folha e encontrou o desenho de um belo e colorido pássaro, preso numa gaiola, que surpreendentemente tinha a portinhola aberta. Adriano apontou para o detalhe e perguntou ao irmão: “Por que ele não sai?”. Beto pensou por alguns instantes, limpou uma lágrima e respondeu: “Por que ele perdeu a noção do que é liberdade”. A resposta provocou um silencio. Logo depois Beto se levantou, abraçou o irmão e se foi. Depois daquela manhã, ele nunca mais foi visto.