FIM DO SONHO DE NATAL

A mãe segura firme a mão do menino. O shopping está cheio e o filho é inquieto e acostumado a espaços abertos, a correr livre pela rua onde mora no subúrbio não muito longe do shopping, mas com realidade totalmente diversa. Lá todos sabem quem é Elizeu, filho de Dona Joana e Conrado. Enquanto ela trabalha como doméstica na Barra da Tijuca, a irmã mais velha assume o comando da casa ainda em construção e a educação de Elizeu e Tavito, o irmãozinho menor.

Não que shopping seja novidade pra ele. Está acostumado a ir todo início de mês, quando ela e o marido reúnem seus salários e ela dá uma volta com os filhos pelo West Shopping, do lado de lá de Campo Grande. Compram umas coisinhas, fazem um lanche e voltam pra casa, felizes com o passeio mensal e as compras realizadas. Mas o novo shopping, perto do Jardim Maravilha onde mora, é novo para o menino e a irmã não veio junto para ajudar a conter a mania do menino de soltar a mão da mãe e sair correndo sem rumo encantado pelas vitrines e suas novidades.

- Se aquiete, menino! Não saio mais com você! Vai ficar sem presente de Natal, viu?

- Quero um carrinho de controle remoto e um...

- Pode ir parando no carrinho, Elizeu! Papai Noel tem muitas crianças pra atender, meu filho. Você não vai ser egoísta e deixar outras crianças sem presente, né?

- É – responde Elizeu com um sorriso no rosto. Vâmo lanchá, mamãe? Tô com fome! Big Mac, tá?

- Tá, filho. Hoje pode. Já mostrou pro Papai Noel o carrinho que você quer e ele vai trazer. Tenho certeza. Vâmo lanchar!

Passam pelas vitrines com Elizeu mais contido, tranquilo, menos deslumbrado. Viram à direita entrando em outro corredor. Dona Joana ainda não tinha encontrado o presente ideal para a filha. De repente, Elizeu puxa a mão da mãe que faz mentalmente as contas pra saber quanto ainda poderá gastar e para em frente a uma loja de grife.

- Papai Noel, não quero mais o carrinho de controle remoto. Quero aquilo ali.

Dona Joana olha pra dentro da loja. Um menino mais ou menos da mesma idade de Elizeu testa um patinete elétrico. Ela sente um aperto no peito. Resolve entrar na loja e perguntar o preço. Talvez juntando com os extras que o marido irá ganhar no Natal no restaurante onde trabalha como garçom...

Aproxima-se da vendedora e pergunta:

- Qual o nome desse brinquedo, moça?

- É um patinete elétrico. Temos dois modelos, senhora.

- Qual o preço do mais em conta?

- Mil novecentos e noventa reais.

Dona Joana até se assusta. Como pode custar tanto assim? Dois mil reais?

A vendedora insiste:

- É o que temos de mais moderno esse ano e parcelamos em 03 vezes em qualquer cartão.

- Vou pensar, obrigada – diz educadamente Dona Joana saindo da loja arrastando Elizeu que grita:

- ESCUTA BEM, PAPAI NOEL. RISCA O CARRINHO DE CONTROLE REMOTO DA SUA LISTA OU DÁ PRA OUTRA CRIANÇA! O QUE EU QUERO É ESSE TAL PATINETE ELÉTRICO, VIU? SE NÃO TROUXER, VOU CONTAR PRA TODAS AS CRIANÇAS E ATÉ PRO MEU IRMÃOZINHO QUE VOCÊ É MEU PAI E MINHA MÃE! QUE VOCÊ NÃO EXISTE, VIU?

A mãe caminha para a Praça de Alimentação em silêncio agarrada à mão de Elizeu. Já não pensa em Elizeu. Pensa em Tonico e sua futura luta para tentar manter o espírito natalino em sua casa. Mantém as tradições. Sempre explicou que não era uma data pra sair comprando tudo e sim comemorar o nascimento de Jesus e as crianças cresceram preservando os ensinamentos da mãe, mas sempre gostou de ver os rostinhos alegres no dia 25 e a crença das crianças na existência de Papai Noel e se esforçava todos os anos para manter vivo o “Bom Velhinho”. Acreditava que tinha dado certo até surgir em sua frente um tal patinete elétrico!

by MarCela Torres

MarCela Torres
Enviado por MarCela Torres em 19/12/2012
Código do texto: T4044299
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