P E G A !
De repente, um grito – Pega! – bastou para que houvesse um dilatar de pupilas instantâneo e as orelhas se colocassem em alerta, como um cão farejador que ouve o movimento de sua presa. Os olhares se voltam para aquele que está correndo quando todos estão andando, passos largos na fuga da justiça. Qual será a razão para o furto? Desespero, má-índole, exclusão social, fome?
Nesta hora estas preocupações humanísticas não fazem nenhum sentido: foi com aquela senhora de blusa azul claro e um cachecol em volta dos ombros, apenas para enfeitar o conjunto. Poderia ter sido comigo, com você, com qualquer um. Mas foi com ela.
Depois de impetrar e reclamar por seus direitos mais fundamentais, ela recorre a um homem de meia-idade que por ali passava e pergunta:
-- Como faço para bloquear meus cartões?
Um número de telefone lhe é fornecido, e ela, lépida em seus dedos, faz inúmeras ligações a fim de cancelar a validade de seu dinheiro de plástico. Como uma Casa da Moeda de carne e osso, ela define quando e como vale o dinheiro emitido em seu nome e se transforma, naquele momento, em uma pequena filial além-mar da poderosa matriz bancária.
Alívio.
A torrente de adrenalina e lágrimas agora deságua num mar de tranqüilidade por saber que não perderá mais do que alguns minutos de sossego nesta vida, que pareceram horas quando o meliante a abordou. Voltam os questionamentos sobre a segurança pública, o desarmamento, o aumento do custo de vida e a inflação. Os transeuntes se aglomeram e comentam, desolados, sobre o aspecto lamentável do ladrão, de sua barba mal-feita e sua indumentária rota e suja.
E por falar nele, observamo-lo vivendo agora o desespero mais infantil, de quem vê um brinquedo quebrado ou sem pilhas; sem funcionar, o ladrão se frustra em seu intento. Na sua solidão ele constata que tudo agora é um monte de plástico sem valor e contemplamos mais uma vítima da globalização e da informática que assola nosso mundo.