JOANNA

Sim, lá estava ela novamente. No mesmo lugar, sentada no mesmo banco, à mesma hora de sempre. Eram seis horas da tarde, hora do ocaso. O sol, que ora se punha, coloria o horizonte com um tom degradê de púrpura e dourado. Os pássaros faziam a maior algazarra nas árvores, procurando, por entre os galhos, seu lugar de pernoite. O ar, puro, já mais fresco agora com o limiar da noite, era, por vezes, conforme se caminhava pelo parque, salpicado com o odor das flores emanando dos muitos canteiros que formavam um mosaico maravilhosamente colorido.

Havia muitas pessoas no parque àquela hora. Umas caminhavam, crianças andavam de bicicletas e patinetes, algumas sentavam-se sob as árvores para ler, um casal de namorados estava sentado à beira do lago, observando casais de cisnes que deslizavam suavemente sobre a água límpida, cristalina. Poder-se-ia dizer até, que ali era um pedaço do paraíso.

Todo esse verde, todo esse colorido do parque, servia de moldura para um retrato, o retrato daquela senhora que lá estava, a observar todos que por ela passassem. Eu já a vinha observando há vários dias. Pontual, chegava sempre à mesma hora, às seis horas, nem um minuto a mais, nem a menos. Chegava, sentava-se e ali ficava até por volta de sete horas, depois ia embora, para voltar no dia seguinte, fielmente, no mesmo horário.

Ela aparentava estar entre seus sessenta e setenta anos. Devia ter sido muito bonita quando jovem, pois ainda apresentava traços de uma beleza que despertara a atenção de muitos homens. Olhos azuis, vítreos, olhar firme, profundo, refletiam o interior de uma pessoa de caráter forte, decidida em suas opiniões e decisões. Trajava um vestido longo – era o mesmo todos os dias – de veludo azul-escuro, desbotado agora devido ao uso contínuo durante muitos anos, com rendas de cor pérola – mas que ora se apresentavam já rotas e de cor amarelada – no colarinho e nas mangas. Era uma peça maravilhosa, digna da beleza humana que a portava. Completando o conjunto da vestimenta, um chapéu, forrado com o mesmo tecido do vestido, e também tão desbotado quanto este. E jóias, várias pulseiras e, no dedo anular esquerdo, um anel de ouro com uma pedra enorme, azul.

Aproximei-me dela. “Boa tarde”. Retribuiu meu cumprimento apenas com um sorriso. “Posso sentar-me”, perguntei-lhe. Um ‘sim’ foi pronunciado por uma voz doce, serena. Ela tirou a bolsa que estava a seu lado, no banco, para que eu pudesse me sentar. Ajeitou-se no banco, de forma a ficar de frente para mim, cruzou as pernas, com um movimento gracioso, colocou a bolsa do outro lado. Olhou-me fixamente por alguns segundos e, quase sem mexer os lábios, coloridos por um batom de cor vermelho-claro, perguntou-me, “O senhor o viu por aí?”.

Levantei a cabeça, pois estava olhando para seu pé, pequeno, que calçava um lindo sapato de couro preto, com um detalhe de strass – que outrora seu brilho deve ter concorrido com o brilho da beleza da dama que o usava – sobre a gáspea. “Quem”, perguntei-lhe surpreso, “quem a senhora está esperando?”.

Virou-se rapidamente, para conferir de quem eram os passos que ouvira atrás de si. Deu um suspiro, voltou-se para mim, “Pensei que fosse ele!”. Seu olhar pareceu-me entristecido. “Mas quem?”, insisti na pergunta. “Victor”, e depois completou, “Victor de Alcântara Mendes. O senhor o conhece?”. disse isso segurando minha mão, como que implorando por uma resposta. “Não, não o conheço”, disse-lhe, “quem é ele?”.

Soltou minha mão. “É meu namorado”, sua voz parecia embargada, “ele é muito bonito, loiro, olhos grandes, verdes. Um verdadeiro cavalheiro. Terminou o curso de Direito recentemente”. Pegou a bolsa, abriu-a, tirou de dentro uma foto, estendeu-a para mim, “Olhe, aqui está uma foto dele. Não é lindo?”. Pareceu-me ver o brilho de uma lágrima em seu olhos.

Peguei a foto, olhei-a, entreguei-a novamente a ela. “Sim, é um rapaz muito bonito”, concordei, “é ele que a senhora espera?”. Guardou a foto, colocou a bolsa no banco, ao seu lado. “Sim, ele me disse para estar aqui, hoje, às seis horas”, disse-me, depois continuou, “ele vai pedir minha mão em casamento para meu pai”. Ajeitei-me no banco, cruzei as pernas, coloquei o cotovelo sobre o joelho e apoiei a cabeça na mão. Estava ficando interessado por aquela estória. “Como a senhora se chama?”, perguntei-lhe.

Antes de responder minha pergunta, olhou no relógio, coisa que já havia feito várias vezes. “Joanna”, disse, “Joanna Souza de Andrade”. Ia dizer-lhe algo, mas ela começou a falar primeiro. “Pretendemos nos casar daqui a dois meses. Ele já tem casa e, também tem um bom emprego. Trabalha em um escritório de advocacia. Meu pai tem muito apreço por ele. Tenho certeza que seremos muito felizes. Eu o amo muito”.

Remexi-me novamente no banco, segurei sua mão, olhei profundamente no azul de seus olhos e perguntei-lhe, “E se ele não vier?”. Ela deu-me um sorriso largo e respondeu, “Essa hipótese, meu senhor, está totalmente descartada. Victor é um perfeito cavalheiro, e me ama muito, não tardará muito e ele estará aqui. Ele nunca faltou a nenhum de nossos encontros, e não haverá de ser hoje, no mais importante de todos, que ele irá faltar”.

Relutei um pouco, antes de fazer-lhe essa pergunta, “A senhora sabe que dia é hoje?”. Outro sorriso, tão bonito quanto o anterior. “É claro que sei. Estamos no décimo dia do mês de maio do ano da Graça de mil novecentos e sessenta e nove.”

Levantei-me, enxuguei uma lágrima que escorria sobre minha face, disse-lhe adeus e deixei-a lá, no seu esperar sem fim...

Erik McArthedain
Enviado por Erik McArthedain em 07/03/2007
Código do texto: T403942
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