O Populista
"Eu não falo nada que não seja verdade" foi a expressão usada por Eutônio ao fim de seu discurso, onde, de modo incoerente, acabou por contar sua última mentira. Todo o povo o aplaudiu num frenesi veemente. Fazia um sol escaldante e apenas os principais eleitores e puxadores de saco foram assistir ao discurso de abertura da campanha eleitoral do então prefeito da cidade de Marajás.
A situação não era das melhores: o prefeito não deixara de roubar uma parte sequer de cada verba que entrava para o município e a oposição caía em cima para detoná-lo com a população, o que não surtia o menor efeito. Eutônio era maquiavélico. Ele não perdia tempo com qualquer cidadão, por isso, ele não fizera nada pelos da classe média alta, fizera apenas pelos realmente pobres, os quais ele poderia ganhar o voto através das necessidades básicas, as quais ele ainda os fazia pensar que estavam supridas.
Eutônio asfaltara as ruas de todos os bairros mais pobres de Marajás, disse que construíra mais de duzentas casas populares - construídas pelo governador do Maranhão -, distribuíra inúmeras cestas básicas, fizera obras superfaturadas nas praças mais movimentadas da cidade e fizera obras em todas as principais ruas da cidade - obras essas que, além de superfaturadas, eram de baixa qualidade, pois preferira materiais baratos, não se sabe o porquê. Por mais incrível que lhe pareça, ele pintara todos os postes da cidade de laranja claro - cor que era associada ao laranja escuro de sua campanha - e, ao ser indagado sobre a nova coloração, Eutônio respondia: "Pedi ao major do corpo de bombeiros que escolhesse para mim e não tive absolutamente nada a ver com a escolha".
Porém, as necessidades evolutivas não eram supridas, como a educação, por exemplo, que via tanta pouca verba que era a pior do estado e uma das piores do Brasil; a saúde não estava muito melhor: às vezes, pacientes eram atendidos pelo único médico de plantão no corredor do principal hospital da cidade e a segurança não era a melhor, apenas tinha belas viaturas, para aparentar serviço.
Eutônio saiu do comício em meio àquela gigantesca multidão acenando e cumprimentando todos. Mas seus atos estavam por ser lançados por terra: naquele exato instante, uma ação na justiça, movida por seu opositor, colocava sua candidatura em risco. Mas nem uma palha poderia ser movida contra ele, pois Eutônio agira de modo a aparentar atos dentro da legalidade a todos os momentos. Era praticamente robótico.
O povo estava do seu lado: ele, em sua propaganda eleitoral, explicara que estavam tentando acabar com ele por meio de erros que não deveriam ser considerados. Deixe-me explicar melhor: ele dera uma entrevista na principal rádio da cidade - que, coincidentemente era de seu irmão - no período onde a propaganda política era ilegal. Claro que o processo era justo. Porém, ele já convencera seus eleitores: estava sofrendo uma injustiça daqueles que queriam tomar o poder para roubar a verba da cidade!
Durante os três meses de campanha para o primeiro turno das eleições, houve boatos de que toda aquela propaganda poderia não valer de nada, pois ele poderia ser condenado a qualquer momento. Mas lá estava ele, sempre participando assiduamente de todas as caminhadas e eventos previstos, sem aparentar preocupação. Sua falta de preocupação se dava principalmente porque, quando a oposição tentou cassar seu mandato, por motivos plausíveis, um ano antes, todos os seus puxas sacos acamparam em frente à prefeitura e foi dado que a vontade do povo era que o período de quatro anos previsto pela lei fosse cumprido por ele. Ter o povo a seu lado era obviamente seu maior mérito.
A campanha estava por acabar e Eutônio tinha no espírito a certeza da vitória, que não era boa, mas era inevitável. A oposição procurou todos os podres do popular prefeito, mas achou apenas sua infeliz entrevista de rádio. Ele era aparentemente limpo, para decadência da cidade. Porém, como bom estrategista, o prefeito marajense possuía uma carta na manga até para a pior das hipóteses: colocaria um substituto legalmente reconhecido na última semana de campanha, de modo que as urnas não pudessem ser atualizadas e o povo pensasse que o voto era de Eutônio. Todas as possibilidades haviam sido estudadas.
Fred, seu opositor, já estava por desistir do processo, que não chegaria a lugar nenhum naquela semana, visto que em nada resultou durante meses. Assim, em um ato desesperado, Fred tentou subornar o juiz, para que Eutônio fosse condenado e, portanto, cassado. O juiz aceitou a propina e decidiu, num ato interesseiro e extraordinário, que Eutônio deveria ser cassado, como o foi e no mesmo dia não o foi mais, pois subornou o juiz num valor cinco vezes maior que o oferecido por Fred e ainda lhe prometeu uma secretaria em seu próximo mandato. Ele era intocável.
O fim da história de Marajás não fica muito longe do óbvio. Eutônio ganhou as eleições no primeiro turno, governando a cidade por mais quatro anos. E fica claro, mais uma vez, que os populistas sempre vencem quando são espertos - e na maioria das vezes são. Além de obter a maioria naquele ano, Eutônio indicou o prefeito na eleição seguinte - seu irmão José, o radialista – que também conseguiu dois mandatos consecutivos.
Não fico abismado com esse tipo de resultado, apenas me sinto inteiramente desgostoso por saber que políticos usam o artifício de deixar a maioria da população com baixo nível educacional para que sua estrutura política não seja contestada. E ainda são capazes de produzir um sentimento de amor por seus feitos interesseiros, um amor que não deveria nem mesmo existir no meio político.