A carona
O vento assobiava no meio das árvores, os galhos vergavam sobre o valente fusquinha grená, aquele modelo que tinha duas grandes lanternas traseiras e por isso mesmo apelidado de Fafá de Belém em alusão aos seus fartos seios, mas ainda não chovia.
A estrada de barro, precária ligação entre Itapiruçu e Cisneiros, era o caminho que percorríamos para ir de uma fazenda para outra, dos meus parentes.
De repente minha mulher notou que havíamos passado pelo mesmo lugar duas vezes, que vira a mesma vaca junto a uma porteira de curral, dizendo com ar de reprovação:
- Estamos perdidos e a vaquinha reconheceu nosso carro, muuuh!
Entre tantas curvas que subiam ao alto dos morros e outras tantas que desciam, passando por encruzilhadas sem placas, perder-se naquelas estradinhas esburacadas, onde passavam mais carros de bois do que automóveis, não era nada de excepcional.
Muito a contra gosto, concordei:
- Você tem razão, estamos perdidos!
O tempo não ajudava, começou a chover grandes pingos que batiam com força no teto do carro e o limpador de para brisas não dava vazão. Era muita água que caía, em pouco tempo teríamos um outro problema, a lama.
Estava tenso, mas não podia demonstrar, pelo contrário, tinha que passar tranquilidade, transmitir confiança, porque mulher nervosa, confinada dentro de um fusquinha fechado, é pior que fera enjaulada.
- É só seguir à direita naquela encruzilhada, que estaremos no caminho certo. Afinal não é a primeira vez que venho aqui, na outra vez, se lembra, acertamos na primeira...
Preferi falar sem parar para que ela não começasse a reclamar...
Nesse ínterim, o carro que não tinha ar condicionado, só tinha mesmo a ventilação como a maioria dos carros na época, começou a ficar com o para brisas embaçado.
Ela não se conteve e me disse, com ares de aborrecida:
- Daqui a pouco vamos atropelar uma vaca, não estou enxergando nada e começou a esfregar a mão na parte interna do vidro...
- Abre um pouquinho o seu vidro que ajuda! E abri uma nesga do vidro do meu lado, enquanto aumentava a circulação do ar, redirecionando-o para o para brisas.
- Pronto, agora o embaçamento vai diminuir, também essa chuvarada não pode continuar tão intensa durante tanto tempo, daqui há pouco diminuirá...
Em seguida começou a acontecer o que temia, na ladeira, em aclive acentuado, o carro derrapou, o volante foi para a direita e o carro para a esquerda, as rodas traseiras perderam a aderência e ele embicou para o lado do barranco, passei a segunda marcha e mantive a rotação alta, controlando-o com a embreagem, ele recuperou a aderência e subiu a ladeira com dificuldades.
Quando olhei para o lado, minha mulher estava com os olhos esbugalhados, sem falar uma só palavra.
Quando se recuperou do susto, disse:
- Se tivéssemos derrapado para o outro lado, teríamos despencado pelo morro abaixo...
Tentei contemporizar:
- Já passou, tudo passou..
Começamos a descer a ladeira, e lá em baixo, sob uma frondosa árvore, lutando para manter aberto o seu guarda chuvas, estava uma mulher grávida, com uma enorme barriga, talvez esperando por um ônibus.
Imaginei, vou fazer uma boa ação, e ela por sua vez, em compensação, vai nos indicar o caminho certo. Parei bem perto dela, abri a janela e lhe ofereci carona.
Ela agradecida, entrou no carro, toda molhada ensopando o banco de trás.
Nos apresentamos, dissemos para onde queríamos ir ela nos disse que estávamos em outra estrada, e bem longe do nosso objetivo. Por esse motivo resolvemos seguir para a cidade onde ela disse querer ir, Recreio, onde também tínhamos parentes, e pelo que ela nos indicou já estávamos bem próximos.
Assim fizemos. Passamos para um trecho de estrada de terra batida com um barro consistente, onde não havia tanta lama, e o carro não derrapava. Em contrapartida, haviam muitas curvas, que se alternavam, ora para um lado, ora para outro.
Minha mulher tentou puxar assunto com a dona, saber para quando estava previsto o nascimento do bebê, se era menino ou menina, essas coisas, mas ela não parecia estar bem, de repente, respirou fundo e começou a vomitar...
Vomitou em sua própria roupa, no banco de trás todo e o ambiente ficou com um mal cheiro terrível, acrescido que continuava a chover forte o que nos impedia de abrir todas as janelas.
Quando chegamos ao destino, depois de suportar todo aquele mal cheiro, insuportável, numa viagem que parecia não ter fim, deixamos a dona no local indicado por ela e levei o carro para um posto de gasolina para que fosse lavado e higienizado.. Foi quando a minha mulher explodiu:
- Você com essa sua mania de querer sempre ser o bom samaritano, veja só no que deu...
Eu me fiz de desentendido e lhe respondi:
-Queridinha, poderia ter sido muito pior, imagine só, você bancando a parteira!