MAÇÃ E PÊRA
MAÇÃ E PÊRA
Eu gostaria de saber se você ainda insiste naquela análise romântica da maçã e da pêra... Lembra não? - aquela em que você, após se encher de vazios existencialistas, foi, com uma dessas frutas em cada mão, traçando perfis dicotômicos, tentando mostrar de forma prática para mim as diferenças ideológicas ali avizinhadas, a burguesia e a nobreza nelas transmutadas.
Naquele tempo você quase me convencera de que, se Deus existia, ele era o principal responsável pelo maniqueísmo universal - nem às simples frutas que eu havia comprado a preço de ocasião você dava trégua. E olhe que eu só tinha pensado em um lanche mais saudável para aquele fim de tarde.
A maçã - você começou enloquentemente - representava todo o aparato burguês: a sua insurgência, a invasão de odores, o seu perfume barato, vulgaridade, pilhagem, enfim, novos godos; talvez você tenha feito menção à Nova York, não tenho certeza...
Quando você começou a falar sobre as pêras, eu já tinha acabado de comer uma delas e logo comecei a achar demasiado chato ter que continuar ouvindo aquilo tudo, que elas, representantes legítimas da nobreza, dos "nascidos em berço de ouro", "do mundo novo" - apesar de agora velho - estavam ali, tão rarefeitas de perfumes, que quase imperceptíveis; discretas, insossas suas carnes, translúcidas como um bom branco europeu. Eu, não suportando tanta verborragia, sapequei:
- Quer dizer, então, que a maçã é brega e a pêra é chique?!
- Não, exatamente! - você redarguiu bastante encabulado.
Aproveitei aquele seu momento de hesitação e continuei com o mesmo tom desafiador:
- E nós, os proletários, filhos de ninguém, qual tipo de fruta nos representa?!
Quando eu acabei de fazer essa pergunta, notei que você já olhava vagamente para a penca de bananas maduras que estava na cesta de frutas ao lado da mesa. Entretanto, percebendo o meu olhar inquiridor, saiu - se com essa:
- Companheiro, vamos tomar uma Cuba Libre!