FALANDO SOZINHA

Por Carlos Sena




De longe, uma senhora falando sozinha. Dava pra perceber que não estava bem, pois gesticulava demais, coçava a cabeça, tirava os óculos. Quanto mais ela se aproximava, mais dava pra ser nítida essa doidice que ficava pior com sua aproximação. A gente ouvia tudo, os gritos, as broncas e tudo mais que ela falava sozinha e andando pela Esplanada dos Ministérios em Brasília. Percebeu-se, claramente que ela estava procurando o ponto do ônibus, mas pluft! Deu uma topada no meio fio que quase se arrebentou no chão. Só não meteu a venta no poste porque deu tempo ela colocar os óculos que houvera caído com o tombo. Quando ela chegou perto do ponto do ônibus, escorou na mureta de acesso e continuou a loucura dos gestos e falando alto quase gritando. Passava um e olhava. Outro também passava, via e não entendia. Passava ônibus, mas ela esqueceu, talvez, que estivesse ali esperando por um. Houve uma hora em que eu não me aguentei mais e fui comprovar na prática o que sempre imaginei, ou seja, “tem muito doido fora do hospício”. Discretamente, fingindo esperar o ônibus também, fui chegando de pertinho. Ela chamava o marido de corno, dizia que nunca o tinha respeitado e que ele fosse embora da sua casa naquele momento. Se ela chegasse em casa e o encontrasse ela não se garantia. “Pegue sua puta e suma” prosseguiu. Tem mais: “a pensão da sua filha eu vou solicitar na justiça, seu filho da puta”... Com um pouco de medo de até levar uma porrada dela, fui me aproximando para ter certeza de que aquela doida precisava de um internamento, pois ninguém fica falando sozinho num ponto de ônibus daquela forma. Quando, finalmente, fiquei mais perto, vi que a lazarenta não estava falando sozinha, mas ao celular com um provável marido ou amante. O detalhe foi o fone de ouvido que, minúsculo, não nos permitia fazer outra leitura. Depois dessa, eu já estou preparado para as próximas, pois a solidão da cidade grande já não se basta sozinha, agora se acompanha de um minúsculo fone de ouvido.